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sexta-feira, 26 abril, 2024

E não é que Roberto Carlos proíbe quase tudo?

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A encrenca agora é com o cantor Nando Reis, que gravou música de Roberto Carlos, Nossa Senhora, só com “nananananan”. Nando é ateu

Nando Reis encontrou um jeito de driblar a mensagem religiosa da música Nossa Senhora, de Roberto Carlos. Em vez dos versos originais “Nossa Senhora/ Me dê a mão/ Cuida do meu coração”, gravou a música toda na base do “nanananana”. Roberto Carlos não gostou, embora o disco de Nando seja inteiro dedicado ao repertório de RC. O disco de Nando saiu no começo do mês, e a música de RC foi substituída por Como vai você, de autoria e Antonio e Mário Marcos, e gravada por Roberto Carlos.

Não foi o único veto que Roberto impôs à versão em vinil do disco. Em Me conte a sua história, Nando teve de tirar um texto seu que declama a certa altura —acabou substituindo-o por um vocalise da cantora Céu. Uma fala de Jorge Mautner no início de A guerra dos meninos também foi limada. Um detalhe: é um texto bíblico, extraído do Evangelho de Lucas, ou seja, afinado com os versos.

As músicas haviam sido gravadas e lançadas no ano passado com autorização de Roberto —na ocasião, o único pedido de Nando que foi negado foi a regravação de Detalhes. Mas, ao que parece, o compositor só ouviu as interferências do cantor (em tudo reverentes à essência do homenageado) depois de o álbum lançado, ou quando não havia mais como deter o processo de lançamento. Por isso só agora vieram as mudanças.

O veto a Nossa Senhora de Nando não é a primeira ocasião em que Roberto atua em defesa do que imagina ser o melhor para a mãe de Jesus. E ele já foi bem longe nessa defesa. Em 1986, escreveu um telegrama ao presidente José Sarney, cumprimentando-o pela censura ao filme Je vous salue Marie, de Jean-Luc Godard (“que não é obra de arte ou expressão cultural que mereça a liberdade de atingir a tradição religiosa de nosso povo e o sentimento cristão da humanidade”, escreveu o cantor, sem ter visto o filme).

As convicções religiosas de Roberto já fizeram com que ele se recusasse a gravar Se eu quiser falar com Deus (de Gilberto Gil). Gil compôs a canção para RC em 1980, mas palavras da letra, como “diabo” e “medonho”, assim como o teor agnóstico de sua poesia, não encaixavam nas ideias do cantor.

Um misto de religiosidade e TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) levou Roberto a vetar a gravação de Quero que vá tudo pro inferno a qualquer um que pedisse — 80% dos artistas de pop-rock, segundo seu empresário Dody Sirena. Mais: em 2002, ele não autorizou que a música integrasse a reedição do disco que Nara Leão gravou em 1978 dedicado a ele, intitulado exatamente E que tudo mais vá pro inferno. O álbum foi relançado com uma faixa a menos e rebatizado de Debaixo dos caracóis dos seus cabelos.

Apenas em 2016, depois de 30 anos, Roberto voltou a cantar a palavra “inferno”. Poucos anos antes, já havia vencido outro bloqueio e entoado o verso original “Se o bem e o mal existem/ Você pode escolher”, de É preciso saber viver. Ele passara décadas cantando “Se o bem e o bem existem”.

Seu esforço em evitar ideias que pudessem sugerir algo que ele identifica como maligno fez com que em 2018 ele chegasse a reconsiderar a participação da atriz Marina Ruy Barbosa em seu especial de TV de fim de ano. Na época, ela vivia uma personagem na novela O sétimo guardião que Roberto identificou como sendo meio bruxa. O veto não se concretizou e eles acabaram cantando juntos Na paz do seu sorriso.

Mas a fé de Roberto e o TOC não são os únicos motivos pra que ele seja visto como um compositor que não libera suas músicas facilmente. Muitas vezes, ele simplesmente deseja proteger o que identifica como possíveis danos à sua imagem.

Foi por isso, por exemplo, que impediu que sua música fosse usada na série Narcos, sobre a trajetória de Pablo Escobar. Não seria um uso gratuito: o traficante e sua mãe eram grandes admiradores de RC (ele tinha uma jukebox só com músicas do artista), e Roberto Escobar, irmão de Pablo, chegou a declarar em 2013 que o cartel contratou um show do cantor em Medellín na década de 1980. A assessoria do cantor justificou o veto da música na trilha da série de José Padilha: “Ele (Roberto) analisou a série, viu onde entraria a música e achou que não tinha nada a ver”.

Outra ocasião em que se especula que a tesoura de Roberto tenha atuado em prol de sua imagem foi na exibição pela Globo do filme Tim Maia, de Mauro Lima. Roberto já havia se queixado da cena em que, já famoso, era retratado recebendo Tim (seu amigo de infância e adolescência) com indiferença, num camarim. Em seguida um de seus assessores atirava uma nota amassada para o autor de Você, que fora até o amigo pedir uma ajuda. Na exibição na TV aberta, a cena foi retirada.

Mas houve casos de vetos que não tiveram a ver nem com preservação de imagem, nem com TOC, tampouco com religião. Roberto não permitiu a execução de uma versão que o grupo Aviões do Forró fez de sua Esse cara sou eu, na época ainda uma das mais tocadas do Brasil. Queria evitar concorrência. Noutras vezes, não há motivos identificáveis. Zé Renato nunca recebeu resposta para o pedido de autorização das músicas compostas por RC que gostaria de incluir em É tempo de amar, disco que fez em 2008 com repertório da Jovem Guarda. E Paula Fernandes não pôde incluir em seu DVD de 2014 duetos que gravou com o cantor, mas o isentou de culpa, atribuindo a responsabilidade à gravadora de Roberto.

É estranhamente revelador que uma das grandes vítimas dos vetos de Roberto seja o próprio Roberto. Ele proibiu que Roberto Carlos, uma fotobiografia oficial lançada em 2014, tivesse qualquer texto que não fossem versos de músicas suas —a despeito da insistência dos editores para que a publicação tivesse ao menos legendas que contextualizassem as imagens.

Mas o maior caso de veto autoimposto diz respeito a seu primeiro disco, Louco por você, de 1961. Os motivos podem ter a ver com o TOC (é o único no qual ele não aparece na capa), com religião (a faixa Não é por mim condiciona a existência de Deus ao amor de uma mulher, algo impensável no Roberto ultracatólico) ou simplesmente com questões técnicas e artísticas (o disco traz um artista sem personalidade e imaturo). O que se sabe é que Roberto nunca assumiu o álbum nem considerou seriamente seu relançamento —chegou a agir rapidamente para retirá-lo do iTunes em 2012, quando por algum engano ele foi colocado à disposição.

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