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sexta-feira, 3 maio, 2024

Calígula não era tão ruim assim

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Considerado o mais temido, o mais depravado e o mais sanguinário da Roma antiga, Calígula pode não ter sido um imperador como pinta a história

Tudo o que se sabe sobre Calígula vem de relatos orais. E era costume na antiga Roma difamar e execrar quem caía em desgraça. Talvez tenha sido o fim de Calígula. Não que ele fosse santo – há confirmações que ele gostava de orgias sexuais, que mantinha relação sexual com a própria irmã, e que não pensava muito para mandar matar algum adversário. Mas há exageros na história.

Calígula era o filho mais novo de Germânico, um cara em ascensão na dinastia imperial e parte de uma família respeitada, mas que gostava de se exibir. Filho caçula, era mimado. Ganhou o codinome Calígula, que significa Botinha, dos soldados romanos, após seu pai exibi-lo como uma miniatura de soldado, ainda bem criança. E ele não gostava do apelido – já adulto, insistia em ser chamado de Caio Júlio César.

A alegria do moleque acabou quando seu pai morreu na província da Síria – disseram que era malária, mas ao que tudo indica, foi envenenado. O funeral foi concorrido, e só não apareceu o imperador Tibério, que já velho, havia se recolhido à Ilha de Capri, e deixou o governo na mão de Sejano, um sujeito mau caráter que era agregado da família. Este, no entanto, não poderia fazer nada contra seus rivais enquanto sua protetora Lívia, a mãe de Tibério, estivesse viva. Foi somente após sua morte, em 29 DC, que a mãe de Calígula e seus dois imãos mais velhos foram presos. (A mãe foi açoitada com tanta violência que perdeu um olho e logo depois morreu (ou foi morta) no exílio. O irmão de Calígula, Druso, passou tanta fome na prisão que tentou comer parte do colchão. O outro irmão evitou um destino semelhante cometendo suicídio.)

Antes que pudesse atacar Calígula, Sejano foi executado, quando Tibério percebeu a traição do subordinado. Calígula, o último filho sobrevivente de Germânico, foi nomeado herdeiro imperial e ordenado a viver com Tibério em Capri. Os seis anos seguintes foram penosos para Calígula. O biógrafo Suetônio conta que ele era vigiado dia e noite em busca de sinais de insatisfação ou indícios de deslealdade.

Calígula ia para a cama todas as noites se perguntando se seria acordado ao amanhecer e levado às celas para sua execução sumária. Mesmo enquanto Tibério estava morrendo, o imperador rebelde poderia ter nomeado abruptamente um sucessor diferente. Isso significaria a morte certa para Calígula, já que nenhum outro imperador poderia tolerar sua reivindicação ao império. Assim que ele morreu, Calígula passou literalmente da noite para o dia de quase um refém ao soberano oficial de Roma. Seu retorno à cidade foi recebido com grande entusiasmo.

Calígula teve um xilique fenomenal. Biógrafos antigos relatam que ele se levantou de seu leito de doente como um louco. A verdade é pior. Calígula, governante de Roma, estava fora de combate havia semanas e nada havia acontecido. As províncias foram administradas como de costume, o Senado se reuniu e aprovou decretos e os prefeitos pretorianos administraram a Justiça. O império tratou de seus assuntos pacificamente. A forma como o sistema imperial funcionava significava que Roma realmente não precisava de um governante na prática.

Calígula não era realmente necessário e, para alguém com a educação dele, desnecessário significava descartável. Como um jovem teimoso com um instinto de sobrevivência enraizado, se propôs a retificar o que considerava uma situação inaceitável. Isso se tornaria necessário e faria o Senado e o povo de Roma dependentes de seu governo. Acabou se tornando uma estratégia fracassada e fatal, mas foi uma continuação lógica do que a experiência de vida de Calígula tinha sido até então.

Calígula imediatamente descartou o exemplo de seus antecessores, que fingiram trabalhar no Senado, mesmo enquanto massacravam senadores individualmente. Ao assumir explicitamente o controle direto do império, Calígula não só estava à frente de seu tempo, mas declarou guerra ao Senado. Seu reinado não foi uma sequência de travessuras de um jovem louco, mas a história de uma luta política pela supremacia, contada pelos vencedores, para quem as leis de difamação não existiam e a verdade era opcional. O último governante de Roma que se colocou abertamente acima do Senado foi Júlio César, e isso lhe custou a vida.

Apesar disso, Calígula fez o mesmo ao se declarar Deus. O que mais tarde se tornou mais comum, na época parecia uma blasfêmia — e sem precedentes. No leste da Grécia, os governantes eram quase rotineiramente deificados, e seus sucessores macedônios tinham adotado o status divino dos faraós egípcios. Mas o fato de Calígula ter concedido a si mesmo esse status em Roma era uma loucura no sentido de que era uma tática política que certamente falharia.

Calígula, o Deus, tinha o apoio do povo e do Exército, mas era um neófito político com uma personalidade totalmente inadequada para lutar contra um Senado de armadores implacáveis e ​​experientes em batalhas políticas selvagens. Muitas vezes fatais. Os senadores tinham conexões e um controle oculto sobre as alavancas do poder. Ambos os lados nesta luta usaram todos os meios à sua disposição, mas Calígula foi derrotado.
Uma das armas foi a propaganda. Na inventiva política romana, a lama era jogada com alegre desprezo contra a verdade, apenas para ver o que surtiria de efeito. Quanto a Calígula, o Senado aproveitou sua reivindicação de divindade e a interpretou como loucura. Eles deturparam as ações de um imperador que, de fato, era jovem e teimoso, e inventaram outras inexistentes.

Supuseram ainda que sua filha compartilhava de suas inclinações sádicas, o que justificava seu perfil de pai carinhoso e que mais tarde serviria como justificativa para que seus assassinos a matassem de forma cruel, batendo sua cabeça contra a parede. Ainda no ramo das relações familiares, o biógrafo Suetônio relata que o imperador gostava de fazer sexo com suas irmãs durante os banquetes, enquanto os convidados olhavam horrorizados.
O autor escreveu, um século depois, quando a lenda de Calígula como um lunático estava bem estabelecida. Naquela época, alguns acreditavam que ele tinha enlouquecido por sexo porque a sua mulher havia lhe dado uma overdose de uma poção do amor. Como muitos dos detalhes do estado de espírito de Calígula vêm de Suetônio, a alegação de incesto levanta dúvidas.

O historiador Tácito nasceu 15 anos após a morte de Calígula. Ao contrário de Suetônio, ele relata as acusações feitas contra ele como apenas isso — acusações, em vez de fatos — e não menciona nenhum desses banquetes. Nem o filósofo — e senador — Sêneca, que conheceu Calígula. Os dois escritores mencionam o assunto, mas se referem às relações incestuosas da irmã de Calígula, Agripina, apenas com seu tio e filho, não com seu irmão.
Quanto ao lado assassino, há escassez de vítimas. Embora Suetônio goste de dizer que o imperador matou dezenas de pessoas, ele curiosamente reluta em nomeá-las. Calígula ordenou a execução do filho de Tibério e de seu prefeito pretoriano Macro (que parecia determinado a imitar Sejano em sua ambição), assim como o primo dele, o rei da Mauritânia. Mas a maioria de suas outras vítimas são duvidosas, como o gladiador que morreu de um ferimento infeccionado depois que o imperador o visitou. No total, existem menos de uma dúzia de nomes.

Depois do assassinato de Calígula, quatro anos depois de ele assumir o poder, tornou-se ainda mais urgente enfatizar que ele havia enlouquecido: ele ainda era popular entre o povo e entre os militares, apesar da guerra com o Senado. O novo imperador Cláudio estava inseguro em sua posição e o legislativo estava ansioso para justificar o assassinato de Calígula. Portanto, sem a vítima presente para contestar as acusações, a condenação do seu nome procedeu sem contestação. Há muitas histórias sobre Calígula, que governou Roma somente quatro anos, acabou assassinado por oficiais. Viveu 25 anos.

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