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domingo, 5 maio, 2024

Víbora peçonhenta

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Tinha quase 40 anos, dizia ter sido muito bonita e gostosa quando era jovem – fato provado com fotografias – e que a vida lhe tinha sido ingrata. Chamava-se Marlene, abandonada pelo marido há mais de dez anos, sem filhos e com uma vocação típica de mulher mal amada – era a fofoqueira mais conhecida no bairro. Tinha munição para destruir qualquer reputação.

Até o antigo vigário de sua paróquia precisou mudar de cidade quando Marlene descobriu que o padre gostava de molecada. Era viado.

Marlene já tinha passado por praticamente todas as crenças. Fora à igreja católica, frequentou outras evangélicas e chegou a ser batizada na umbanda. Para ela, todas tinham algum defeito. Tentou até ser budista, mas ficou horrorizada quando soube o modo de vida dos adeptos. Fez da fofoca e da maledicência seu ato de fé.

Num dia, mudou-se para o bairro, na mesma rua, um casal vindo da Capital. Ele, bonitão e de carrão, com bom emprego no Banco do Brasil. Ela, mais nova. Uma dondoca. Fazia a unha três vezes por semana, vestia-se com trajes de festa, salto alto sempre. E esnobava.

Às vezes dirigia o carro do marido. O povo morria de inveja. E Marlene ficou de olho na forasteira. Aos poucos se aproximou, fez amizade e muitas perguntas.

O que você fazia antes de casar? Vendia cosméticos. Como conheceu seu marido? Foi numa festa, apresentado por algumas amigas. Casou na igreja? Nâo, só no cartório. A cada encontro, um verdadeiro interrrogatório. Com os meses passando, Marlene chegou à conclusão. Sua nova vizinha, a gostosona, tinha sido garota de programa. Quenga, pra ficar mais exato. E tratou de espalhar a notícia.

Suas amigas passaram a evitar a Sofia, a forasteira. Representava um perigo. Bonita, nova, gostosa e com dinheiro, poderia pegar qualquer de seus maridos. No mercado, mal a cumprimentavam. Quando Sofia, a ex-quenga, completou cinco anos de casamento, teve festa. Toda a vizinhança convidada. Ninguém foi. Não fossem suas amigas da Capital, a festa teria sido um fracasso. Amigas tão bonitas, gostosas e esnobes quando ela. Talvez todas putas, no entender de Marlene.

Acontece que Sofia ficou sabendo das maledicências da víbora peçonhenta. Para dar o troco, contratou um detevive particular, indicado por amigas que tinham sido traídas por seus maridos. Missão: descobrir todo o passado de Marlene. Tim-tim por tim-tim. O detetive cobrou caro – metade adiantada – e dois meses depois fez seu relatório. Para Sofia, valeu cada centavo. Ao marido, justificou que o gasto era para defender a honra da família. Ele concordou.

O relatório do detetive era minucioso. Começava na época em que a serpente havia feito a primeira comunhão. Passou pelos anos de escola primária e secundária, abandonada no último ano por causa de uma gravidez. E aí começou a pimenta da história.

Para não ficar mal na cidade, Marlene foi morar com uma tia, numa cidade distante. Com cinco meses de gravidez sofreu aborto espontâneo. A tia queria mandá-la de volta, mas ela havia gostado da nova cidade, e resolveu ficar. Como o máximo que conseguia era emprego esporádico como diarista, apelou. Foi morar na zona. Lá chegava a atender dez homens por dia. Novinha, era a mais procurada. Ganhou dinheiro pra valer, repartido meio a meio com a cafetina, uma tal de dona Luíza.

Na zona, conviveu com malandros e policiais. Aprendeu tudo o que a vida poderia ensinar. Principalmente que o melhor meio de defesa era atacar primeiro. Dez anos depois,acabadona pelas maratonas sexuais e pelo álcool, aposentou como puta e resolveu voltar à cidade natal, onde comprou a casa onde morou até morrer.

Sofia planejou a vingança. Primeiro, conseguiu com um amigo da Capital um falso diploma de assistente social. Segundo, tirou cópia do relatório do detetive e mandou para Marlene, pelos Correios, anonimamente. E terceiro, entregou cópias do mesmo relatório para toda a vizinhança. A puta, na verdade, era a cobra em forma de gente. Marlene passou a beber mais que havia se acostumado. Não saía mais de casa. Mandava um moleque da vizinhança ir ao mercado, pago com trocados.

Sofia passou a desfilar todos os dias, em todos os lugares. Ia ao mercado sem precisar, só para ser vista. Passou a ir à missa dos domingos, onde, contrita, dizia se arrepender de possíveis pecados. Até dízimo ela dava à igreja. No salão de beleza, não poupava tratamento para pele, para o cabelo, para os pés… unhas sempre impecáveis. Sem batom, jamais.

Um dia Marlene morreu. Magra, acabada, toda enrugada, diziam os que foram ao enterro – alguns para ter certeza que a víbora estava morta de verdade. Foi de depressão, justificou um parente de outra cidade que chegou em cima da hora para o enterro. No velório, teve mulher que beliscou a defunta pra se certificar que estava morta mesmo. Só uma coroa de flores, enviada, descobriu-se depois, pela antiga cafetina, dona Luíza.

Nas semanas seguintes, a paz voltou à cidade. Sofia pode então desfrutar a vida. Todas as quartas-feiras, enquanto o marido trabalhava, passava as tardes num motel de estrada com um conhecido antigo, dos tempos em que frequentava as calçadas da rua Augusta, na Capital e era conhecida como Débora, a mulher com boca de seda. E a vida continou assim.

O corno feliz, trabalhando. E ela, Sofia, sem risco de fofocas de Marlene, dando que nem xuxu na cerca.

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