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terça-feira, 7 maio, 2024

O Festival de Besteiras ainda não terminou

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Sérgio Porto era um jornalista carioca que morreu em 1968, que nasceu e viveu em Copacabana, zona Sul do Rio de Janeiro. Era respeitado no meio de imprensa, e usava o pseudônimo de Stanislaw Ponte Preta para, diariamente ironizar o que os jornais noticiavam. Dizia-se que todas as manhãs ele ia à praia com suas filhas, e enquanto elas brincavam na água ou na areia, linha montanhas de jornais e revistas. Com uma tesoura, recortava as que lhe dariam munição.

As crônicas eram publicadas no jornal Última Hora, de Samuel Wainer, um dos mais lidos do Rio de Janeiro, entre 1966 e 1968. Foram 250 histórias, que depois foram reunidas em três livros com o mesmo título: Fepeapá – Festival de Besteiras que Assola o País. Se Sérgio Porto estivesse vivo, daria para fazer um livro por dia, seja pelas atitudes dos políticos (seus alvos principais) seja pela qualidade atual da imprensa brasileira.

“As crônicas do Stanislaw ironizavam a onda conservadora da ditadura militar. Naqueles anos de censura e repressão, ele registrava as situações absurdas e as declarações estapafúrdias das autoridades”, afirma Cláudia Thomé, doutora em Teoria Literária pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de O olhar crítico do cronismo do Febeapá contra a onda conservadora que levou ao AI-5 em 1968, publicado em 2018.

Uma das histórias contadas no Febeapá aconteceu em junho de 1966, quando agentes do Dops (Departamento de Ordem Política e Social) foram mandados ao Teatro Municipal de São Paulo para prender o autor da peça Electra, que estrearia naquela noite. Lá chegando, os agentes descobriram que o autor da peça, Sófocles, havia morrido em 406 AC.

Como Stanislaw Ponte Preta, não poupava ninguém. Seu festival de besteiras incluía capitães do Exército, governadores, prefeitos, generais e delegados.  Em São Paulo, citava Stanislaw, policiais do Dops invadiram a casa da escritora Jurema Finamour e aprenderam objetos suspeitos da subversão – um liquidificador, por exemplo. Citava também um caso de Belo Horizonte, quando policiais passaram a prender torcedores num jogo de futebol, se os mesmos falassem mais que três palavrões por jogo.

Mas não eram só as autoridades seu alvo. Jornalistas, os chamados “coleguinhas de imprensa” não passavam impunes. O jornal Correio do Ceará, de Fortaleza, publicou a seguinte manchete, citada nas crônicas do Febeapá: “Todo fumante morre de câncer a não ser que outra doença o mate primeiro”.

Durante os primeiros anos do regime militar havia muita coisa proibida. A revolução ganhou o apelido de Redentora. Em Ouro Preto (MG), o delegado proibiu as serenatas; em Mariana, também em MInas, o prefeito proibiu o namoro no jardim da praça; em São Luís, no Maranhão, não podia usar máscara no carnaval. Mas a pérola das proibições foi em Brasilia. Não aconteceu, mas foi proposta por um “depufede” – proibir a vodca, para combater o comunismo. Depufede foi o neologismo criado por Stanislaw para deputado federal.

Antes de ser jornalista e escritor, Sérgio foi bancário. Trabalhou 23 anos no Banco do Brasil, onde conheceu outro Sérgio, o Jaguaribe, ou o Jaguar. Seu primeiro emprego como jornalista foi na Folha do Povo, que era de Aparício Torelli, o Barão de Itararé, criador do Jogo do Bicho. Passou por todos os jornais cariocas e ainda escreveu suas crônicas nas revistas Manchete, Senhor e Cruzeiro). Dizia que só levantava os olhos da máquina de escrever para pingar colírio.

Imagina-se um sujeito assim nos dias atuais, quando um presidente (Bolsonaro) afirma que “nossos livros didáticos têm muita coisa escrita”. Ou a proposta de abstinência sexual da ministra Damares Alves; ou o mesmo Bolsonaro dizendo que “o índio está evoluindo e cada vez mais é um ser humano igual a nós”. Ou a ex-presidente Dilma querendo estocar o vento e saudando a mandioca. Faltaria papel para tantos livros…

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A Editora Urbem faz parte do Grupo Novo Dia e edita livros de diversos assuntos e também a Urbem Magazine, uma revista periódica 100% digital.
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