Cyn Carranza é responsável por lustrar, limpar, encerar e esfregar os pisos da Disneylândia durante a madrugada, garantindo que os visitantes da manhã seguinte sintam que nunca houve ninguém antes deles.
No entanto, após seus turnos ao lado do icônico Castelo da Bela Adormecida, Carranza precisa retornar ao seu “lar” — um carro —, pois o salário, junto com os rendimentos de dois outros empregos, não cobre o aluguel de um local com uma cama.
A situação dos trabalhadores da Disneylândia, como Carranza, está prestes a mudar. A negociação por melhores salários e condições de trabalho se tornou tão complexa que 9.500 funcionários votaram na sexta-feira (19) para autorizar uma possível greve. Se a votação for confirmada, o sindicato decidirá se a paralisação será efetivada, marcando a primeira greve no resort da Disney em 40 anos.
As autoridades da Disneylândia afirmaram que estão elaborando planos para garantir que os parques continuem operando com o mesmo padrão de serviço, mesmo no caso de uma greve.
Os líderes sindicais afirmaram que, se a greve ocorrer, provavelmente terá uma duração limitada, diferentemente das greves prolongadas dos sindicatos de atores e escritores que paralisaram as produções de cinema e TV da Disney e outras empresas de mídia e tecnologia durante grande parte de 2023.
Embora votações para autorização de greve sejam comuns e frequentemente aprovadas por grandes margens, isso não garante que a greve se concretize, como demonstrado pelo exemplo dos Teamsters na UPS no ano passado.
Embora o motivo oficial da possível greve seja a proibição do uso de broches sindicais no trabalho, a preocupação principal entre os trabalhadores é o contrato atual, que muitos consideram inadequado para garantir um salário digno.
Acessibilidade
O salário de Carranza na Disneylândia é pouco acima de US$ 20 por hora, considerando o adicional por trabalho noturno. Sua função é exigente, envolvendo o manuseio de mangueiras de PVC e maquinário pesado para polir o chão.
“É desolador ver que os balões vendidos no parque custam mais do que eu ganho por hora. Preciso trabalhar uma hora e meia para comprar um desses balões da Disney”, comentou Carranza.
Desde 1º de abril, o salário mínimo para trabalhadores de fast food na Califórnia é de US$ 20 por hora, afetando outras indústrias que competem por esses trabalhadores.
Os eleitores da cidade de Anaheim, onde está localizado o Disneyland Resort, aprovaram uma medida que estabelece um salário mínimo de US$ 19,90 para os funcionários do resort a partir de janeiro de 2024.
Entretanto, em um condado onde o aluguel médio em 2022 era de US$ 2.251 por mês e cerca de 10% dos residentes vivem na pobreza, os trabalhadores afirmam que um salário de aproximadamente US$ 20 por hora ainda é insuficiente.
Após morar em um carro, Carranza conseguiu se mudar para um hotel porque não tinha condições de pagar o depósito de segurança e o aluguel inicial de um apartamento. Atualmente, ela divide um apartamento com uma colega de quarto.
A situação no Disneyland Resort e a acessibilidade no sul da Califórnia preocupam Coleen Palmer, que trabalha no resort há 37 anos. No início, Palmer conseguia alugar um apartamento de dois quartos por US$ 400 por mês com um salário de cerca de US$ 650.
Hoje, ela aluga um apartamento de um quarto por pouco mais de US$ 2.000 por mês e limita suas despesas a US$ 2.800, o que ganha mensalmente. Além disso, tem que arcar com serviços públicos, alimentação, contas de telefone, assistência médica e outros custos fixos. Para economizar, evita viajar e compra alimentos que pode compartilhar com seu cachorro.
“Às vezes, sinto-me desanimada. Isso me faz questionar meu valor próprio. Há momentos em que penso: será que vale a pena? Devo procurar outro emprego? Mas estou a alguns anos da aposentadoria”, disse Palmer.
Ela deseja continuar no trabalho, pois ama o que faz, especialmente interagir com as crianças e vê-las desfrutar das atrações do parque. Embora esteja contente com os aumentos salariais para os trabalhadores iniciantes, Palmer acredita que aqueles com mais experiência, como ela, não receberam aumentos proporcionais.
Atualmente, Palmer ganha pouco menos de US$ 24 por hora após quase quatro décadas na empresa, enquanto um funcionário iniciante recebe US$ 19,90 por hora. Autoridades da Disneylândia afirmaram que os salários aumentaram mais de 40% nos últimos cinco anos, mas muito desse aumento está alinhado com as mudanças no salário mínimo estadual e local.
Fora da realidade
Uma possível greve na Disneylândia envolveria cerca de 9.500 funcionários do Disneyland Park, que estão trabalhando sob um contrato que expirou em junho. Outros 4.500 funcionários, que trabalham no Downtown Disney, nos hotéis Disney ou no Disney California Adventure, não estão incluídos nas negociações atuais, pois seu contrato expira apenas em setembro.
Esses trabalhadores representam cerca de 40% do total de funcionários do resort, mas, por enquanto, apenas os empregados do Disneyland Park votarão e poderão participar da greve.
Os sindicatos e a Disneylândia têm duas reuniões agendadas para segunda (22) e terça-feira (23). No entanto, os artistas de personagens e desfiles, que se organizaram em maio como parte da Actors’ Equity Association, ainda não iniciaram seu processo de negociação.
A potencial greve está oficialmente associada ao uso de botons sindicais com o punho do Mickey levantado. As entidades trabalhistas SEIU-USWW, Teamsters Local 495, UCFW Local 324 e BCTGM Local 83 apresentaram acusações ao National Labor Relations Board (NLRB) em junho, alegando centenas de casos de disciplina ilegal, intimidação e vigilância de membros do sindicato que usavam esses broches no trabalho.
O NLRB deverá investigar essas acusações nos próximos meses, após o que um diretor regional da associação poderá decidir se o caso merece uma audiência.
De acordo com autoridades da Disneylândia, o uso de broches sindicais viola a política de uniformes do parque e apenas um “punhado” de funcionários foi disciplinado. A Disney afirmou que qualquer item não autorizado usado por um membro do elenco será abordado por um líder para manter a integridade da “experiência” do parque.
O termo “membro do elenco” refere-se a qualquer funcionário da Disney, pois a empresa vê cada interação com os visitantes como uma performance. Para manter a ilusão, os funcionários são instruídos a não se referir a humanos sob os trajes dos personagens.
Segundo a política da Disney, um líder solicitará ao funcionário que remova o botão sindical para preservar a “performance”. Ação disciplinar só será considerada após violações repetidas, começando com uma advertência verbal.