A semaglutida, componente encontrada em remédios destinados ao tratamento do diabetes tipo 2 e da obesidade, como o Ozempic e o Wegovy, produzidos pela Novo Nordisk, demonstrou ter impactos positivos em indivíduos com síndrome metabólica renal. Esta descoberta sugere que esse composto pode se tornar uma ferramenta valiosa tanto na prevenção quanto no tratamento de condições cardiovasculares.
Os achados foram revelados por pesquisas apresentadas durante o 44º Congresso da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp) de 2024, sediado no Transamerica Expo Center, em São Paulo, de 30 de maio a 1º de junho. Durante o evento, a Novo Nordisk conduziu palestras para destacar os riscos cardiovasculares relacionados ao diabetes e à obesidade, além de discutir o potencial da semaglutida no contexto da saúde cardiovascular.
A semaglutida é um agonista do receptor de peptídeo-1 semelhante ao glucagon (GLP-1) que desempenha um papel na regulação dos níveis de glicose e na promoção de uma sensação de saciedade aumentada. O cardiologista e pesquisador Darren McGuire explica que estudos já demonstraram uma ligação entre inflamação e o risco de doença cardiovascular aterosclerótica, sugerindo que a semaglutida poderia ter um efeito protetor contra eventos cardiovasculares, como infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
De acordo com o especialista, isso se deve ao seu efeito anti-inflamatório, o que pode levar a desfechos favoráveis em pacientes com diabetes tipo 2 com alto risco de doenças cardiovasculares, indivíduos com insuficiência cardíaca (com ou sem diabetes) e aqueles com diabetes e doença renal crônica.
“Observamos que a semaglutida oferece benefícios em toda a gama de condições cardiometabólicas. Essa molécula, usada no tratamento do diabetes e da obesidade, não apenas ajuda a controlar os níveis de açúcar no sangue e a reduzir o peso corporal, mas também demonstra uma capacidade de diminuir o risco cardiovascular”, comenta o cardiologista Luciano Drager.
Estudos
Essas conclusões derivam de dois estudos apresentados durante o congresso da SOGESP: o SELECT, que investigou os efeitos da semaglutida sobre os desfechos cardiovasculares em indivíduos com sobrepeso e obesidade, revelando uma redução de 20% no risco dessas condições; e o FLOW (Avaliação da Função Renal com Semaglutida uma vez por semana).
Ambos os trabalhos também foram expostos em congressos internacionais, como o Congresso Europeu de Obesidade (ECO), realizado em Veneza, Itália, e o congresso da European Renal Association (ERA), sediado em Estocolmo, Suécia.
No estudo SELECT, pessoas com sobrepeso ou obesidade que possuíam doenças cardiovasculares estabelecidas e foram tratadas com semaglutida 2,4 mg (a dose encontrada no Wegovy) mostraram uma perda de peso robusta e sustentada, além de uma redução no risco de morte cardiovascular, infarto do miocárdio ou AVC, independentemente do grau de perda de peso alcançado.
Este estudo envolveu 17.604 adultos em 41 países, todos com doença cardiovascular estabelecida e sobrepeso ou obesidade, mas sem histórico prévio de diabetes. Eles foram acompanhados por 5 anos, revelando a superioridade da semaglutida em comparação com o placebo na redução da incidência de doenças cardiovasculares e de mortes por qualquer causa.
“Os estudos clínicos envolvendo a semaglutida são de extrema importância clínica, pois evidenciam sua capacidade de melhorar significativamente a qualidade de vida e proteger o coração dos pacientes. A perda de peso desempenha um papel crucial nesse contexto, pois contribui para mitigar os riscos cardiovasculares e metabólicos associados à obesidade”, destaca André Feldman, cardiologista do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, coordenador de Cardiologia na Rede D’Or São Luiz (SP) e doutor em Ciências Médicas pela USP/IDPC.
O que a Ozempic tem a ver com a saúde renal e cardíaca
A relação entre a semaglutida 1 mg (a dose presente no Ozempic) e uma melhor saúde renal e cardiovascular foi evidenciada no estudo FLOW. Nesse estudo, a substância reduziu significativamente o risco de eventos graves relacionados à doença renal, desfechos cardiovasculares e mortalidade por todas as causas em pacientes com diabetes tipo 2 e doença renal crônica.
“Esses resultados são notáveis, destacando a conexão entre rim e coração. É evidente que o benefício proporcionado pela molécula, aliado à perda de peso, tem um impacto significativo na saúde cardiovascular”, observou o cardiologista Marcelo Assad.
O estudo FLOW incluiu 3.533 pacientes acompanhados por uma média de 3,4 anos. O objetivo do trabalho era avaliar a eficácia e segurança da semaglutida administrada uma vez por semana na prevenção de desfechos renais graves, como insuficiência renal, perda substancial da função renal e morte por causas renais ou cardiovasculares.
Os participantes foram randomizados para receber semaglutida 1 mg uma vez por semana ou placebo. Aqueles que receberam semaglutida apresentaram uma redução de 24% no risco do desfecho primário composto, que incluía desfechos renais e morte por causas cardiovasculares e renais, em comparação com o grupo que recebeu placebo. Essa redução de risco foi consistente tanto para desfechos renais quanto para mortalidade cardiovascular.
Semaglutida e insuficiência cardíaca
Por fim, um terceiro estudo, também divulgado durante o congresso da SOGESP, investigou o uso da semaglutida 2,4 mg no tratamento da insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada, um dos subtipos da insuficiência cardíaca, em pacientes com obesidade, tanto com quanto sem diabetes. O estudo incluiu 1.146 participantes, dos quais 529 não tinham diabetes e 617 tinham a doença.
De acordo com os resultados da pesquisa, a semaglutida 2,4 mg proporcionou uma melhora significativa nos sintomas da insuficiência cardíaca, como dispneia, e nas limitações físicas associadas à doença. Além disso, o medicamento também resultou em uma perda de peso sustentada, indicando que pode representar uma opção eficaz no tratamento da insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada, especialmente quando relacionada à obesidade.
Em março deste ano, a Food and Drug Administration (FDA), a agência reguladora dos Estados Unidos, aprovou a solicitação da Novo Nordisk para adicionar benefícios cardiovasculares à rotulagem do Wegovy, tornando-o o primeiro medicamento para perda de peso a receber autorização para reduzir o risco de ataque cardíaco, AVC ou morte relacionada ao coração. Essa decisão foi baseada nos resultados do estudo SELECT.
Em resposta à reportagem, a Novo Nordisk declarou que também submeteu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a solicitação para incluir os benefícios cardiovasculares na bula do medicamento no Brasil, com base nos estudos recentemente publicados. Embora o pedido ainda esteja em análise, há esperança de que o Wegovy possa ser utilizado no tratamento de pessoas com obesidade e doenças cardiovasculares estabelecidas.
Novo Nordisk submeteu à Anvisa a inclusão dos benefícios cardiovasculares na bula do Wegovy
Em março deste ano, a Food and Drug Administration (FDA), a agência reguladora dos Estados Unidos, aprovou a solicitação da Novo Nordisk para adicionar benefícios cardiovasculares à rotulagem do Wegovy, tornando-o o primeiro medicamento para perda de peso a receber autorização para reduzir o risco de ataque cardíaco, AVC ou morte relacionada ao coração. Essa decisão foi baseada nos resultados do estudo SELECT.
Em resposta à reportagem, a Novo Nordisk declarou que também submeteu à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a solicitação para incluir os benefícios cardiovasculares na bula do medicamento no Brasil, com base nos estudos recentemente publicados. Embora o pedido ainda esteja em análise, há esperança de que o Wegovy possa ser utilizado no tratamento de pessoas com obesidade e doenças cardiovasculares estabelecidas.