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sexta-feira, 22 novembro, 2024

H1N1: as razões para um possível retorno da pandemia de 2009

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A pandemia da chamada gripe suína foi declarada encerrada em 2010, mas o vírus responsável ainda está entre nós

Imagine esta cena: o programa de rádio entra no ar fazendo um anúncio: “De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), mais 700 pessoas morreram em decorrência da doença ao longo da semana, elevando o número de óbitos para 5,7 mil”. A emissora continua: “Na Europa, a Ucrânia está fechando escolas e cinemas, ao mesmo tempo em que o governo ucraniano proíbe reuniões públicas. No Reino Unido, o número de casos dobra a cada semana. Nos Estados Unidos, o presidente está declarando emergência nacional”.

A transmissão de rádio soa familiar hoje, mas esses eventos ocorreram em outubro de 2009, quando o mundo viveu sua última pandemia — de H1N1, a chamada gripe suína. Acredita-se que o vírus tenha começado sua jornada mortal a partir de porcos de uma pequena região central do México em janeiro de 2009. Em março, os primeiros casos foram registrados na Califórnia e no Texas. Em junho, o vírus estava presente em 74 países ao redor do mundo. Um ano depois, quando a OMS declarou o fim da pandemia, entre 151.700 e 575.400 pessoas haviam morrido.

Um esforço global de vacinação em massa liderado pelos Estados Unidos ajudou a acabar com a pandemia, mas o vírus H1N1 ainda permanece entre nós. Todos os anos circula como uma gripe sazonal, causando doenças, hospitalizações e mortes. Cientistas de todo o mundo monitoram tanto a H1N1 quanto outras gripes suínas para entender melhor essas doenças e para descobrir como conter o próximo vírus antes que se torne uma pandemia.

Mas conter um vírus é um trabalho complexo, agravado pela atividade humana: desde a forma como produzimos nossos alimentos até a maneira como viajamos. Para entender melhor o desafio que enfrentamos, está em andamento um projeto colaborativo em 2,5 mil fazendas de suínos europeias, que já coletou amostras de mais de 18 mil porcos.

Os cientistas envolvidos no projeto descobriram que os vírus da influenza A — aqueles que podem se tornar pandêmicos em humanos — estavam presentes em mais de 50% das fazendas que visitaram, sobretudo em áreas de produção intensiva de suínos, incluindo Dinamarca, Inglaterra, no norte da França, noroeste da Alemanha e Holanda. Em outras palavras, eles encontraram uma pandemia à espera de eclodir.

No extremo nordeste da Alemanha, onde as terras do país encontram o Mar Báltico, fica a pequena Ilha de Riems. O acesso é feito por uma ponte — e não por acaso. A Ilha de Riems é onde fica a instituição de pesquisa de vírus mais antiga do mundo, fundada em 1910 pelo cientista Friedrich Loeffler.

As medidas modernas de biossegurança preveem que os institutos de vírus podem ser baseados praticamente em qualquer lugar, mas em 1910, depois que muitas doenças migraram do seu laboratório para a comunidade local, Loeffler decidiu que era melhor instalá-lo em uma ilha. Hoje em dia, o Instituto Friedrich Loeffler é o principal centro de doenças animais da Alemanha.

Demora 30 minutos para dar a volta na ilha a pé, passando por grandes edifícios quadrados que abrigam os laboratórios, instalações de experimentação animal e compartimentos para animais, que abrigam porcos, galinhas, gados e uma área de criação de javalis selvagens.

Na extremidade mais afastada fica o compartimento dos patos, onde as equipes monitoram os padrões da gripe aviária e novas cepas de vírus emergentes, atraindo pássaros selvagens para fazer uma parada em meio a suas viagens migratórias. Milhares de patos selvagens e gansos passam por esta área todos os anos.

Martin Beer trabalha por lá há 20 anos. Ele é um dos cientistas que começaram rapidamente a criar e testar vacinas quando eclodiu a pandemia de gripe suína em 2009, e agora é o chefe do Instituto de Virologia Diagnóstica. É sua equipe que tem realizado o projeto de coletar amostras de porcos da Europa. Até agora, eles encontraram quatro vírus causadores de influenza circulando, que apresentam alguns pilares de uma pandemia.

São vírus que podem infectar humanos, têm potencial de se espalhar entre humanos e para os quais não há vacinação ou imunidade inata. Atualmente, nenhum dos vírus descobertos possui todos os pilares necessários para uma pandemia. Mas se qualquer um desses vírus conseguir se adaptar, a chance de outra pandemia é significativa. A equipe também descobriu que a incidência desses vírus em porcos está aumentando com o tempo. “Nossa primeira surpresa neste programa de vigilância foi que 30% dos porcos testaram positivo para o vírus da influenza A. É muito”, diz Beer.

Os porcos, assim como os humanos, são suscetíveis a mais vírus quando são jovens porque ainda não tiveram tempo de desenvolver os anticorpos necessários para combatê-los. No sistema de produção intensiva de carne suína da Europa, os porcos vivem apenas seis meses antes de serem abatidos. Ou seja, não têm idade suficiente para combater a maioria dos vírus do tipo influenza.

Mas a Europa tem certas vantagens que a tornam menos propensa a doenças humanas do que outras partes do mundo. É um continente rico, com bons sistemas de saúde em muitos de seus países, é o lar de alguns dos maiores cientistas do mundo e, em geral, tem um clima temperado. Isso não torna a região imune a uma pandemia, como lamentavelmente sabemos.

Tradicionalmente, os humanos desenvolveram sistemas agrícolas condizentes com nossos ambientes. Mas isso mudou. Com o aumento da população, houve um crescimento na demanda por fontes de proteína. A Europa está tentando produzir mais carne suína, mais rápido do que nunca, e essa demanda está gerando novas doenças.

O colega de Beer, Timm Harder, é chefe do Laboratório de Referência de Gripe Animal no FLI e coautor do relatório de vigilância. Ele diz que há uma conexão entre a forma como a Europa está produzindo proteínas e os vírus que eles estão vendo. “Em 1995, uma fazenda de suínos que tinha 200 porcas era uma exceção. Agora temos fazendas com 2 mil e 20 mil porcas. É um aumento brutal no tamanho da fazenda. Isso é algo que muda a epidemiologia dos vírus influenza”, afirma.

Vinte anos atrás, se um novo vírus surgisse em uma pequena fazenda de porcos, provavelmente se dissiparia rapidamente, sem muitos hospedeiros para infectar. Mas não é mais o caso, de acordo com Harder. “Em uma grande propriedade, há centenas de leitões recém-nascidos todos os dias. Um vírus da gripe, uma vez introduzido, se perpetua constantemente. Você o encontrará ao longo dos anos, durante todo o ano”, acrescenta.
Com a intensiva e crescente criação de porcos, os humanos estão ajudando a mudar a forma como os vírus da gripe operam e a mantê-los ativos por mais tempo. A boa notícia é que, se você estiver em forma e saudável, pegar H1N1 agora, provavelmente resultará em sintomas leves de gripe que passam em algumas semanas.

A má notícia é que os vírus da influenza podem saltar entre as espécies e se misturar com outras vertentes da gripe. É com essas novas misturas que os cientistas se preocupam: elas têm a capacidade de causar problemas graves de saúde, mortes e os distúrbios mundiais que estamos vendo com a Covid. E os porcos, ao que parece, são um recipiente de mistura ideal para essas novas variantes.

Mas este não é apenas um problema que afeta os porcos europeus — em todo o mundo, humanos e porcos estão compartilhando e misturando vírus. Com centenas de milhares de hospedeiros para escolher, esses vírus podem saltar e se adaptar o tempo todo. A natureza de rápida mutação dos vírus da gripe torna o trabalho de pessoas como Beer, Harder e Lewis incrivelmente complicado; eles estão tentando acertar um alvo em constante movimento.

Os porcos não apenas misturam vírus de outras espécies — de humanos e aves, por exemplo — como também misturam os vírus uns dos outros. Os porcos na Europa têm cepas de gripe diferentes dos da Ásia, por exemplo, e quando essas duas raças se encontram, podem infectar uma a outra para criar novas doenças.

Em 2009, acredita-se que o comércio de longa distância de porcos entre o México, os Estados Unidos e a Europa permitiu a formação de uma nova variante da gripe, infectando jovens na região que não tinham anticorpos antes de se espalhar rapidamente pelo globo.

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A Editora Urbem faz parte do Grupo Novo Dia e edita livros de diversos assuntos e também a Urbem Magazine, uma revista periódica 100% digital.
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