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segunda-feira, 25 novembro, 2024

O risco de uma epidemia de fentanil no Brasil

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Considerado potente e altamente aditivo, o opioide sintético mata mais de 70 mil pessoas por ano nos EUA e é pivô de uma crise de saúde pública no país. No Brasil, a substância foi apreendida às vésperas do Carnaval, no Espírito Santo. O tráfico ilegal de fentanil, opioide sintético de uso originalmente hospitalar é responsável por uma grave epidemia de saúde pública nos Estados Unidos e, o Brasil, corre o mesmo risco, já que, recentemente houve a primeira apreensão de um lote da substância em Cariacica, no Espírito Santo, deixando as autoridades brasileiras em alerta e mobilizando até mesmo agentes americanos.

Thiago Marques Fidalgo, psiquiatra e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), explica que o risco de overdose por abuso do narcótico é muito maior comparado às demais drogas em circulação no Brasil hoje. “O limite entre a dose que vai causar o barato esperado e a dose que vai levar à morte é muito estreito. É muito fácil você errar a mão”, afirma.

Desde o início da década passad, os EUA assistem a uma onda crescente de mortes por overdose associadas ao uso de opioides sintéticos. Bateu a casa dos 70 mil em 2021 – e o consumo ilegal de fentanil, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC), agência do país que compila dados de saúde pública, seria o principal vilão.

Altamente aditiva, a substância – cuja potência supera em até cinquenta vezes a da heroína e em cem vezes a da morfina- é também extremamente letal: bastam 2 miligramas para levar alguém à morte. A produção e o tráfico ilegal, sem controle regulatório, expõem usuários a um jogo de roleta-russa – seja ao consumir o produto sem saber a dosagem do que estão comprando, seja ao fazer uso de outras drogas “batizadas” com o fentanil.

Especialistas americanos e o CDC apontam que grupos criminosos têm misturado o narcótico a outras substâncias – como heroína, metanfetamina e cocaína – para ampliar margens de lucro, tornando-as mais potentes e viciantes, mas também mais letais. A prática abarcaria até mesmo medicamentos de prescrição controlada vendidos em farmácias, como ansiolíticos.

Essa era a suspeita da Polícia Civil brasileira, que trabalha com a hipótese de que o fentanil apreendido no Espírito Santo seria usado para adulterar pílulas de ecstasy e cocaína.

Os riscos de uma epidemia no Brasil

Embora a apreensão de fentanil preocupa, especialistas da área de saúde e segurança pública ouvidos pela reportagem dizem considerar improvável que a droga tome no Brasil as proporções que assumiu nos EUA.

O primeiro motivo é de natureza logística, segundo explica Guaracy Mingardi, analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. O tráfico de drogas, controlado pelas facções criminosas, segue uma rota consolidada entre Bolívia, Peru e Paraguai, e é focado em três produtos: maconha, cocaína e um derivado, a pasta-base – matéria-prima do crack, consumida pelo estrato mais pobre da população.

Segundo Mingardi, o fentanil está fora da rota do tráfico brasileiro e não é um produto competitivo. “Crack é mais impuro, barato e fácil de fazer. Paga-se R$ 5 a pedrinha. Você não consegue produzir fentanil a esse valor”, afirma.

Vender fentanil em larga escala no Brasil, argumenta o cientista político, só se for para um público com poder aquisitivo maior – e com a anuência do crime organizado, algo que ele diz considerar improvável. “Por que mudar para uma droga que vai matar mais gente e ter repressão?”, questiona Mingardi.

O fentanil que chega aos EUA é produzido pelo narcotráfico no México, país vizinho, e contrabandeado pela fronteira – um negócio facilitado pelo acordo de livre-comércio entre os dois países. Lá, é comercializado por quadrilhas locais como um entorpecente mais barato, mais potente e mais viável economicamente do que a heroína, que antes costumava ser a droga mais popular no país. Segundo relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC), em 2019 um comprimido de fentanil chegava a ser vendido nas ruas por 2 dólares.

O segundo motivo tem a ver com diferenças elementares nos sistemas de saúde pública dos dois países: enquanto nos EUA a prescrição de opioides como analgésico é relativamente comum, o Brasil tem uma regulamentação mais rígida e uma cultura médica distinta, mais cautelosa em relação a esse tipo de substância.

“A tolerância ao efeito dos opioides acontece muito rápido no cérebro. Em relativamente pouco tempo você poderia ter a migração de um opioide de prescrição para um opioide ilícito, mais potente”, justifica Fidalgo, da Unesp. “Nos EUA, a prescrição acontece por um problema simples, uma dor de cabeça.”

Ele alerta para a possibilidade de os opioides se tornarem um problema de saúde pública também no Brasil, e aponta para a falta de dados robustos sobre o consumo dessas substâncias entre a população. “Pelo que a gente observa no dia-a-dia, os opioides estão longe de serem um problema. Mas a prática clínica não é considerada evidência científica”, ressalta.

Segundo o psiquiatra, embora o Brasil tenha um mercado clandestino para medicamentos de prescrição restrita, como opioides, o fentanil não faz parte desse universo, já que está restrito a hospitais. “Me parece mais preocupante que possa ser usado para ‘batizar’ outras substâncias. É um risco, e talvez seja a principal porta de entrada”, analisa.

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