Desde que passou por uma transição de gênero, mudando sua aparência para se identificar como mulher, Jamilly Aragão de Brito, 31 anos, nunca havia passado por constrangimento, pelo menos enquanto trabalhava em uma loja da Renner em Recife. Até então, havia uma relação respeitosa entre empresa e empregado. No entanto, após a transição, segundo ela, a rotina passou a ser de intolerância, agressões e desrespeito à sua identidade de gênero.
Jamilly, que ocupava o cargo de líder de merchandising visual, alega ter sofrido perseguição e diz que foi demitida após ser alvo de inúmeras discriminações. O caso foi parar na Justiça do Trabalho, que considerou a denúncia verdadeira e condenou o grupo a pagar uma indenização de R$ 80 mil à vítima por danos morais. A empresa pode recorrer da decisão.
Procurada pela reportagem, a Renner encaminhou nota na qual informa que não comenta processos em andamento, mas ressaltou que “tem uma política de direitos humanos e um programa de diversidade que buscam promover a inclusão de todos os colaboradores e colaboradoras, o que passa pela conscientização e capacitação da equipe como um todo, em prol da promoção de um ambiente respeitoso e justo”.
“Fui proibida de ir ao banheiro feminino” Em entrevista, Jamilly diz que, com o convívio com os colegas de trabalho e em meio a uma política “de inclusão” pregada pela marca, se sentiu à vontade para externar sua real identificação de gênero.
“Era uma empresa onde me sentia estável e muito acolhida. Comecei meu desenvolvimento profissional e, com menos de dois anos, fui promovida. E tinha um bom relacionamento com os companheiros de trabalho. Depois de um tempo, a empresa começou a falar de diversidade e oportunidades para diversos gêneros e para pessoas com deficiência. Aí vi uma oportunidade de ser quem eu era de verdade”, conta.
Desde então, ela iniciou um processo hormonal em segredo. Somente poucas pessoas próximas, tanto do convívio pessoal quanto na empresa, sabiam da transição. Então o ambiente profissional mudou, conta Jamilly, quando uma gerente, que não teve o nome divulgado, soube que ela se identificava.
“Ela começou a me excluir de todos os processos da loja e a me perseguir. Espalhou para os colaboradores que iria me demitir e que eu seria um problema para a empresa. Fui proibida de ir ao banheiro e ao vestiário feminino, as pessoas começaram a me tratar com indiferença. Isso tudo me fez desenvolver ansiedade e síndrome do pânico. Me senti um lixo. Nunca imaginei que passaria por essa situação”, detalha.
Ela conta que entrou na unidade, que fica em um dos principais shoppings da capital pernambucana, em 2010. Em 2018, após todas as agressões, foi demitida sem uma explicação plausível. Ela classifica o desligamento como o último ato de transfobia da loja contra ela.
“Eu mesmo presenciei a gerente reclamando que ela estava deixando o cabelo crescer. O cabelo dela sempre foi um pouco grande, mas essa implicância só começou quando a chefe ficou sabendo que aquilo era um processo de transição”, diz.
Júlio conta ainda que Jamilly era o “braço direito” da supervisão e tinha ótimo relacionamento com os colegas de trabalho. A boa convivência era tanta que os colegas perceberam claramente que ela estava enfrentando problemas com a chefia.
“Ela era muito carinhosa com os colegas. E todos perceberam quando ela começou a ser deixada de lado, preterida de processos que antes tinham participação ativa dela. Isso a deixou muito triste, e os comentários entres os colegas sempre apontavam para essa discriminação que ela estava sofrendo”, reforça.
Fonte: UOL