Enquanto a maioria das pessoas domina apenas uma ou talvez duas línguas, há aquelas proficientes em múltiplas. Denominadas poliglotas, elas estão contribuindo para a compreensão de como o cérebro processa a linguagem, o principal meio de comunicação humana.
Em um recente estudo envolvendo um grupo de poliglotas, a atividade cerebral dos participantes foi monitorada utilizando ressonância magnética funcional enquanto ouviam passagens lidas em várias línguas.
De maneira intrigante, observou-se um aumento na atividade nas áreas do córtex cerebral relacionadas à rede de processamento de linguagem quando esses poliglotas – fluentes em entre cinco e 54 idiomas – ouviam línguas nas quais eram mais proficientes em comparação com aquelas em que tinham menos ou nenhuma proficiência.
“Acreditamos que isso ocorre porque, ao processar uma língua que você domina bem, é possível empregar todo o conjunto de operações linguísticas suportadas pelo sistema de linguagem do cérebro”, explicou Evelina Fedorenko, neurocientista do Instituto de Tecnologia de Massachusetts e membro do Instituto McGovern do MIT para Pesquisa Cerebral, que é autora sênior do estudo publicado na segunda-feira (11) na revista científica Cerebral Cortex.
“Você pode acessar todos os significados das palavras na memória, construir frases e cláusulas a partir das palavras individuais e acessar significados complexos no nível da sentença”, acrescentou Fedorenko.
No entanto, uma exceção intrigante chamou a atenção dos pesquisadores. Em muitos dos participantes, ouvir sua língua materna provocou uma resposta cerebral menor em comparação com ouvir outras línguas que conheciam – uma redução média de cerca de 25%. E em alguns dos poliglotas, ouvir sua língua materna ativou apenas parte da rede de linguagem do cérebro, não o conjunto completo.
“Os poliglotas se tornam especialistas em sua língua materna em termos de eficiência nos processos neurais necessários para processá-la. Portanto, a rede de linguagem no cérebro não é ativada tanto quando fazem o processamento da língua materna versus não materna”, explicou a neurocientista e co-autora do estudo, Olessia Jouravlev, da Universidade Carleton no Canadá.
“A língua materna de alguém pode ter um status privilegiado, pelo menos nesta população”, acrescentou Fedorenko, referindo-se aos participantes poliglotas do estudo.
A rede de linguagem do cérebro engloba algumas áreas localizadas nos lobos frontal e temporal.
“A rede de linguagem suporta a compreensão e produção em diferentes modalidades – falada, escrita, em sinais, etc. – e nos ajuda a codificar nossos pensamentos em sequências de palavras e decodificar os pensamentos dos outros a partir de suas falas”, explicou Fedorenko.
Saima Malik-Moraleda, co-autora do estudo e estudante de doutorado no Programa Harvard/MIT em Biosciência e Tecnologia da Fala e Audição, disse que os resultados sugerem que a extração de significado governa a resposta do cérebro à linguagem.
“Quanto mais significado você pode extrair da entrada linguística que está recebendo, maior a resposta nas regiões de linguagem – exceto para a língua materna, presumivelmente porque o falante é mais eficiente na extração de significado da entrada linguística”, explicou Malik-Moraleda.
Os 34 participantes do estudo, 20 homens e 14 mulheres, tinham idades entre 19 e 71 anos. Vinte e um eram falantes nativos de inglês, enquanto os outros eram falantes nativos de francês, russo, espanhol, holandês, alemão, húngaro e chinês mandarim.
Sua atividade cerebral foi monitorada enquanto ouviam gravações de passagens em oito idiomas: sua língua materna, três outras nas quais eram altamente proficientes, moderadamente proficientes e minimamente proficientes, e então quatro que não conheciam. Metade ouviu gravações de “Alice no País das Maravilhas” de Lewis Carroll, enquanto a outra metade ouviu gravações de histórias bíblicas.
A menor resposta cerebral ao ouvir a língua materna foi mais evidente entre os participantes do estudo que ouviram as histórias bíblicas – linguisticamente mais simples, segundo Fedorenko, do que a escrita de Carroll.
“Um aspecto significativo da pesquisa linguística”, afirmou Fedorenko, “tem se concentrado em indivíduos com dificuldades linguísticas – desenvolvimentais ou adquiridas. No entanto, também podemos aprender muito sobre a infraestrutura cognitiva e neural de alguma função ao observar indivíduos que são ‘especialistas’ nessa função. Os poliglotas representam um tipo de ‘especialistas’ em linguagem”.