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sexta-feira, 26 abril, 2024

Novos desafios para novos e velhos prefeitos

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Somente 49 das 5.570 cidades brasileiras têm mais de 500 mil habitantes – e cada uma tem seus próprios problemas, novos e velhos

O Brasil tem 5.570 cidades, dos quais apenas 49 tem mais de 500 mil habitantes, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 17 delas, a população ultrapassa 1 milhão de pessoas. Só as 27 capitais concentram 50 milhões de habitantes, o que equivale a quase 24% de toda a população brasileira em 2020. Cada uma dessas cidades tem problemas próprios e soluções que levam em conta o contexto local. Porém, é possível identificar alguns gargalos comuns a grande parte das maiores cidades brasileiras.

Entre esses pontos, estão a queda de arrecadação de impostos depois da pandemia de covid-19, a demanda reprimida no serviço de saúde por causa da quarentena, a expansão da malha de transporte público e o crescimento da população em situação de rua.

Um dos grandes desafios para os próximos prefeitos será lidar com uma possível queda na arrecadação de impostos após a pandemia de covid-19. Com a diminuição da atividade econômica e o aumento do desemprego, a tendência é que as cidades arrecadem menos e assim tenham menos dinheiro para investir em setores importantes, como educação, saúde e mobilidade.

No geral, a arrecadação das cidades brasileiras se divide entre recursos próprios, como IPTU e ISS, repasses dos governos federal, com o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), e verbas oriundas dos governos estaduais, como participação no bolo do ICMS. O peso de cada um deles depende de fatores como o tamanho do município e a maneira como o tributo é cobrado. Em São Paulo, por exemplo, o IPTU representa 17% da arrecadação, mas, em cidades menores, o imposto chega a apenas 1% da fatia tributária. Por outro lado, um terço dos municípios não tem nenhuma arrecadação própria e depende exclusivamente de repasses federais e estaduais.

Além de lidar com os casos de covid-19 — que sem uma vacina devem continuar aparecendo — os municípios brasileiros também terão de dar conta de todas as outras questões de saúde que ficaram na geladeira durante a quarentena. A pandemia gerou quatro principais consequências com as quais os prefeitos terão de lidar nos próximos anos.

A primeira é o aumento na demanda por exames e consultas por pessoas que adiaram esses procedimentos em 2020 por causa da pandemia. A espera para esses procedimentos com especialistas já era longa antes da pandemia — em Belo Horizonte, por exemplo, as filas para marcar exames no Centro de Especialidades Médicas chegavam a dar a volta no quarteirão. Em Peruíbe, no litoral de São Paulo, o pedido de mamografia podia levar até dez meses para ser atendido.

A falta de prevenção leva ao segundo problema causado pela demanda reprimida: o aumento das doenças e problemas crônicos de saúde. A outra consequência é que o empobrecimento gerado pela crise econômica aumenta a pressão sobre o SUS, já que um grande número de pessoas que tinha planos de saúde e era atendido na rede privada agora terá de buscar o sistema público.

364 mil pessoas perderam seus planos de saúde entre março e junho de 2020, segundo o Instituto de Estudos de Saúde Suplementar. Embora nos meses de julho e agosto tenha havido pequena alta no número de beneficiários em relação aos meses anteriores, o setor não recuperou o número que tinha antes da pandemia.

O outro grande problema gerado pela pandemia são as possíveis sequelas deixadas nos pacientes que sobreviveram ao coronavírus. E todos esses problemas surgem em um cenário fiscal difícil, com corte de repasses e queda de arrecadação. Para Lotta, as possíveis soluções para os problemas são diferentes dependendo do porte do município.

Na área de educação, as cidades vão lidar com situações muito diversas entre si nos anos pós-pandemia. E um dos principais desafios em termos de educação, que é de responsabilidade dos municípios, é ampliar o número de vagas de creches — justamente algo que exige muitos recursos. Mas é um problema que está longe de ser exclusivo de cidades pequenas. Até dezembro de 2019, em São Paulo, o déficit era de 75 mil vagas de creches. No Rio de Janeiro, faltavam mais de 36 mil vagas.

A falta de vagas leva a problemas como insegurança alimentar e riscos físicos para as crianças, diz a especialista, porque muitas das famílias são obrigadas a deixar os pequenos em situações informais e precárias de cuidado para poderem trabalhar.

Os prefeitos também devem recorrer ao Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), pois têm direito a uma verba específica para creches. O problema é que muitos secretários de cidades do interior nem sabem disso, não exigem as quantias adequadas, porque muitos não são nem especialistas em educação. O retorno das aulas pós-pandemia também será um dos principais desafios, dizem as especialistas, tanto em termos logísticos quanto pedagógicos. E até que surja uma vacina contra a covid-19 e haja imunização ampla, dizem as especialistas, não será possível descartar as estratégias de estudo à distância.

Nos últimos 10 anos, o sistema de transporte coletivo de Porto Alegre perdeu 31% de seus passageiros. Mas esse não é um fenômeno apenas da capital gaúcha. Grandes metrópoles do mundo, como Londres, Nova York e São Paulo, também têm visto o número de passageiros diminuir nos últimos anos — com a pandemia, esse cenário se agravou.

A explicação passa por uma maior oferta de aplicativos de transporte, como o Uber e 99, serviço que em muitas cidades não é regulado. Mas, no caso brasileiro, também passa pela baixa qualidade do serviço do transporte coletivo: ônibus demorados, superlotados e que ficam horas presos em congestionamentos.

Então, como resolver esse dilema: melhorar o transporte público com menos dinheiro em caixa? Uma saída seria tentar atrair mais passageiros tornando o serviço mais confortável e eficiente para moradores de bairros distantes — com aumento do número de corredores exclusivos. Outra seria cobrar de quem usa carro individual como uma forma de compensar pelo alto custo econômico e ambiental desse veículo.

Um estudo publicado em 2018 na revista Ecological Economics calculou que cada quilômetro rodado com um carro gera, dentro dos países da União Europeia, um custo externo para a sociedade de € 0,11 (R$ 0,72). Já o uso da bicicleta e as caminhadas economizam € 0,18 e € 0,37 por quilômetro percorrido, respectivamente.

A política habitacional no Brasil historicamente fomenta a construção de casas, que depois serão financiadas à população por meio de subsídios bancados pelo poder público. Nas últimas décadas, essa estratégia, além de não resolver as necessidades habitacionais, criou uma série de problemas: bairros dormitórios com milhares de casas e prédios, longe dos centros das cidades e sem muita estrutura urbana, como comércio, escolas, hospitais e transporte público de qualidade. Além disso, milhões de pessoas ainda vivem em construções precárias, como áreas de risco.

Entre 2015 e o ano passado, a população em situação de rua cresceu 53% em São Paulo, atingindo 24 mil pessoas, segundo um censo da prefeitura. Com a crise econômica gerada pela pandemia de covid-19, é bem possível que essa população vulnerável tenha crescido não só em São Paulo, mas também em outras cidades grandes. O levantamento em São Paulo mostrou que 32% das pessoas que vivem na rua têm entre 31 e 49 anos; 69% se declaram negros (preto + pardo) e mais de 60% viviam na região central da cidade.

Um problema crônico que se torna cada dia mais urgente — ainda mais em um cenário onde a saúde pública já está saturada — é a infestação de cidades por pragas urbanas que são vetores de doenças. Muitas doenças espalhadas por pragas são conhecidas pela população, como a doença de chagas (transmitida pelo barbeiro), a leptospirose (transmitida por ratos), a dengue, a zika e a chikungunya (transmitidas pelo aedes). Mas há também outras menos conhecidas pela população e muitas vezes ignoradas até pelo poder público, como a oncocercose (cegueira dos rios) transmitida por moscas do gênero Similium (borrachudos), a leishmaniose transmitida por mosquitos flebotomíneos (mosquitos-palha) e diversas doenças transmitidas por pulgas e carrapatos.

Diversos fatores contribuem para que as cidades brasileiras sejam propícias a pragas. A maior parte delas está em região tropical, onde temperaturas mais elevadas e umidade favorecem a proliferação de pragas. Só 53% dos brasileiros têm acesso à coleta de esgoto — um problema que não se restringe aos locais mais pobres, segundo dados do Sistema Nacional de Informações Sobre Saneamento coletados pelo instituto Trata Brasil. Entre as 100 maiores cidades do país, 35 municípios têm menos de 60% da população com coleta de esgoto. Outro fator pouco percebido são as galerias subterrâneas.

Galerias de esgoto, da água da chuva e até áreas de cabos de serviço oferecem água, abrigo e alimento para as pragas e até mesmo rotas de migração. A melhor estratégia para o controle de vetores de doenças é o chamado manejo ambiental. Outra medida essencial é o controle do lixo, fator para a proliferação de mais de uma praga — baratas, moscas, ratos e carrapatos.

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A Editora Urbem faz parte do Grupo Novo Dia e edita livros de diversos assuntos e também a Urbem Magazine, uma revista periódica 100% digital.
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