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sexta-feira, 26 abril, 2024

Interior paulista volta a viver clima de terror

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A cena tem se repetido no interior de São Paulo: quadrilhas com 15 ou 20 assaltantes praticamente tomam uma pequena cidade, bloqueiam estradas e ruas, atiram em todas as direções e no fim explodem um banco, levando seu dinheiro. Fazem isso normalmente de madrugada e não hesitam em roubar carros e caminhões para depois incendiá-los; se precisar, fazem reféns, depois usados como escudos humanos. Contam com o fato de cidade pequena ter poucos policiais, normalmente armados com pistola e fuzil. As quadrilhas estão mais bem equipadas – usam metralhadoras e dinamite. O mistério persiste: ondem conseguem metralhadoras e dinamites.

No final de julho, foi a vez de Botucatu, distante 230 quilômetros da Capital, receber a visita de uma quadrilha durante a madrugada. Não era uma quadrilha qualquer – eram 40 os assaltantes. Também não foi um ataque qualquer – três agências bancárias foram atacadas, e uma delas completamente destruída por dinamite. A barulheira foi infernal no centro da cidade, e moradores mais ousados gravaram vídeos mostrando os tiroteios, que resultaram em dois policiais feridos e um dos assaltantes morto. Esse tipo de assalto está sendo chamado de novo cangaço.

A Polícia está investigando esse tipo de assalto há anos, mas as conclusões são pífias. Sabe-se que são quadrilhas bem organizadas, que planejam suas ações e que são formadas por facções criminosas, principalmente o PCC. No ano passado, foram 21 roubos a bancos, e até junho passado haviam sido 14 ataques. Os dados são oficiais, da Secretaria de Segurança Pública.

O jeito de assaltar desse pessoal, o novo cangaço, se origina do modo como os cangaceiros roubavam e saqueavam cidades do Nordeste no começo do século passado. Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, foi o mais famoso cangaceiro. Esse tipo de grandes assaltos chegou ao Sudeste há cinco anos, explica Guaracy Mingardi, analista criminal e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. “Esses grupos escolhem cidades pequenas e médias, com poucas vias de acesso e efetivo policial pequeno”, explica. Normalmente, os alvos são agências bancárias ou transportadoras de valores. Na maioria das vezes, os assaltos acontecem durante a madrugada, quando as ruas e o comércio estão vazios, além da presença policial ser menor. Vias de acesso ao local do roubo são fechadas com barricadas, e membros da quadrilha ocupam lugares estratégicos para impedir a aproximação de policiais.

Em Ourinhos, outra cidade do interior, a conta ficou mais salgada. A quadrilha tomou o centro da cidade, explodiu uma agência bancária, levou seu dinheiro e como brinde, explodiu também uma base da Polícia Militar. Ribeirão Preto, apesar de ser uma cidade maior, sentiu o gosto dos cangaceiros em 2016, quando a quadrilha usou um caminhão e uma retroescavadeira para fechar ruas, explodiu transformadores de energia para não haver iluminação, e na saída trocou tiros com a Polícia. E o cangaço já é “exportado”: em abril de 2017, uma quadrilha brasileira assaltou uma transportadora de valores em Ciudad del Leste, no Paraguai. Acredita-se que o lucro dos cangaceiros foi de R$ 40 milhões.

Foi um assalto e tanto. Os bandidos usaram fuzis e metralhadoras .50, capazes de derrubar aviões, e usaram bombas para detonar a parede blindada da transportadora. O assalto foi atribuído ao PCC. Na realidade, o novo cangaço surgiu no final dos anos 1990 no sertão nordestino, quando quadrilhas passaram a saquear bancos e carros-fortes. O principal líder era Valdetário Benevides Carneiro, que morreu em 2003 em tiroteio com a polícia, após dezenas de assaltos.

Novo cangaço deve ser combatido com investimento na Polícia Civil

RAQUEL KOBASHI GALLINATI LOMBARDI
Presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo

Uma cidade sitiada pelo crime, em uma ação que levou uma madrugada de terror aos cerca de 150 mil habitantes de Botucatu, distante 230 quilômetros da Capital. O roubo a banco foi realizado por uma quadrilha com pelo menos 40 marginais. A ação envolveu bloqueios em rodovias e em frente ao batalhão da Polícia Militar da cidade, carros blindados de luxo e armamento de guerra.

A ação, violenta e detalhadamente planejada, não é uma novidade no Estado, infelizmente. Crimes com o mesmo modus operandi já foram realizados em Guararema, Ourinhos, Bragança Paulista e Santos, sempre com confronto em áreas urbanas, onde a ação policial é limitada pela presença de moradores das vizinhanças.

Nessas ações, os marginais não agem furtivamente. Eles incendeiam carros nos acessos ao local do crime, usam cidadãos como escudos humanos e não economizam munição. Daí o nome Novo cangaço, que entra nas cidades atirando e aterrorizando a população. Como agir, então, para evitar o êxito desses roubos, se as características do crime impedem que a polícia responda com o mesmo poder de fogo e intensidade usados pelos marginais?

A resposta está em investir na estrutura de investigação da Polícia Civil. Ter um batalhão da Polícia Militar em cada esquina não trará um resultado efetivo, porque o confronto em área urbana oferece as condições ideais para os marginais, que não se preocupam com a segurança da população. A ação precisa ser realizada com antecedência, por intermédio de investigação, para monitorar a comunicação dos integrantes do crime organizado, conhecer previamente o plano de ataque e efetuar as prisões antes do primeiro tiro, com base em provas coletadas em escutas telefônicas e trocas de mensagens bem documentadas e fundamentadas.

A Polícia Civil de São Paulo tem conhecimento técnico necessário para investigar esse tipo de crime ainda em fase de planejamento, mas a falta de investimento por parte do Governo impede um trabalho de excelência. Como alocar tempo em inteligência se cada policial civil hoje realiza o trabalho que deveria ser feito por três ou quatro profissionais?

Os sobrecarregados 28 mil policiais cumprem as funções de 42 mil exigidos por lei para os quadros da Polícia Civil do Estado de São Paulo.

Além da defasagem do quadro de pessoal, os servidores da Polícia Civil de São Paulo, o Estado mais rico da federação, recebem o segundo pior salário pago aos policiais civis do Brasil. Enquanto os marginais se armam de carros blindados e fuzis, a Polícia Civil sequer tem coletes balísticos para todos, e muitos dos que existem estão fora da validade.

O Governo do Estado tem o dever legal e moral de investir na sua polícia e proteger a sua população. É preciso dotar a Polícia Civil dos mais modernos equipamentos de interceptação de comunicações e ter policiais em quantidade suficiente, aprimoramento constante e bem remunerados. A investigação precisa ser capaz de rastrear os recursos financeiros das quadrilhas e sufocar os marginais antes que eles possam agir. A Polícia Civil do Estado de São Paulo sabe como fazer. Basta agora que o Governo do Estado invista na segurança da população.

Enquanto as políticas de Segurança Pública do Governo privilegiarem o marketing em detrimento de pesados investimentos em recursos humanos bem remunerados, equipamentos e combate efetivo ao crime, o interior paulista continuará vulnerável aos novos cangaceiros, que entram nas cidades atirando e colocando o medo no coração de todos os paulistas.

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A Editora Urbem faz parte do Grupo Novo Dia e edita livros de diversos assuntos e também a Urbem Magazine, uma revista periódica 100% digital.
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