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sexta-feira, 22 novembro, 2024

Bandeirantes, bandidos ou heróis?

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Entre os séculos 17 e 18, houve dois movimentos no Brasil, com finalidade de saber o que realmente havia na terra – na época, as pessoas moravam somente no litoral. As Entradas, que eram missões oficiais e financiadas pelos governos, e as Bandeiras, particulares, que partiam principalmente de São Vicente, no Litoral, e de São Paulo. Os que integravam as Bandeiras ficaram conhecidos como bandeirantes. Era uma gente rude, sem instrução, que visava unicamente o lucro, chegando a caçar índios para escravizá-los. Mas a partir do fim do século 19 os bandeirantes passaram de vilões a heróis.

O Arquivo Histórico Municipal de São Paulo tem documentos que mostram que a primeira rua dos Bandeirantes surgiu em São Paulo, no bairro Bom Retiro, em 1893. De lá para cá, não há cidade que não tenha uma rua dos Bandeirantes. Tudo virou Bandeirantes: a sede do governo paulista é o Palácio dos Bandeirantes; tem canal de TV Bandeirantes, tem avenida e rodovia dos Bandeirantes. Monumentos e estátuas são inúmeros. Do Monumento às Bandeiras, obra de Victor Brecheret concluída em 1953, à estátua do Borba Gato, polêmico trabalho de Júlio Guerra, inaugurada em 1957, não faltam homenagens aos bandeirantes pelas ruas e espaços públicos das cidades.

O assunto vem à tona num momento em que em todo o mundo há movimentos, principalmente em redes sociais, para a retirada de estátuas e monumentos de pessoas que foram consideradas racistas. Aqui no Brasil, o alvo são os bandeirantes.

Mas quem elegeu os bandeirantes como heróis? O historiador Paulo César Garcez Marins, professor da USP, diz que foram os membros do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, nos anos 1890. “Os sertanistas, vistos como bárbaros por grande parte dos membros do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, sediado no Rio de Janeiro, e por artistas cariocas, foram progressivamente enaltecidos nos círculos literários e intelectuais paulistas como líderes do processo de construção territorial do Brasil”, explica.

Outro historiador, Luís Soares de Camargo, diretor do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo, diz que “romances, artigos em jornais e na revista do IHGSP, livros de história, monumentos públicos e pinturas históricas foram os maiores responsáveis pela disseminação de uma visão positiva dos bandeirantes, que enalteciam como heróicos os feitos de desbravamento — a retirada do bravio dos sertões — por meio da destruição das missões jesuíticas espanholas, de quilombos, como o de Palmares, e de populações indígenas sertanejas das capitanias do Norte, atual Nordeste”.

Outro historiador, Paulo Henrique Martinez, que é professor da Unesp, credita a consolidação do mito dos bandeirantes ao poder econômico de São Paulo a partir do começo do século 20. “Houve a consagração e associação deste espírito aventureiro dos bandeirantes com os empreendimentos econômicos no estado de São Paulo, impulsionados pelo café e que alcançaram o mercado imobiliário, ferrovias e navegação, bancos e indústria”.

Nas atas antigas da Câmara Municipal de São Paulo não existem os termos “bandeirantes” ou “sertanistas”. O mais próximo era “pessoas que vão ao sertão”. Em maio de 1583, por exemplo, a Câmara registrou a reclamação de Jerônimo Leitão, capitão de São Vicente, indignado com as pessoas que iam ao sertão sem sua licença, causando prejuízo para a capitania. Ele contava estar informado de muita devassidão nessas empreitadas mata adentro.

Luís Soares de Camargo indica o historiador e monge beneditino Gaspar Teixeira de Azevedo, que morreu em 1800, conhecido como Frei Gaspar da Madre de Deus, como o primeiro a chamar em livro, de bandeiras as incursões pelo sertão. “Mas ele ainda não empregava o termo bandeirantes. Chamava-os apenas de paulistas”, explica Camargo. Em 1870, o historiador, militar e diplomata Francisco Adolfo de Varnhagen  publicou História Geral do Brasil. No livro ele também usa o termo bandeiras — mas não menciona nem bandeirantes nem sertanistas.

Em suas pesquisas, Luís Soares de Camargo concluiu que a primeira menção do termo bandeirante pela imprensa ocorreu em abril de 1837. Uma nota publicada pelo jornal Pharol do Império, do Rio de Janeiro, contava que um bandeirante, Sebastião Fernandes Tourinho, chefiou em 1573 uma expedição que “subiu pelo Rio Doce, e atravessando imensos sertões desceu pelo Jequitinhonha para a província da Bahia conduzindo escravos, algumas amostras de esmeraldas ou safiras”.

Não se sabe como eram de fato os bandeirantes. O retrato de Domingos Jorge Velho, feito em 1903 por Benedito Calixto, mostra o bandeirante com traços europeus, branco, com chapéu de aba larga, botas de cano alto e ostentando um bacamarte. Domingos Jorge Velho morreu em 1705, quase 200 anos de fazerem seu retrato, provavelmente inspirado no modelo de Hyacinthe Rigaud para o retrato de Luis 14, hoje exposto no Museu do Louvre, em Paris.

Com a onda de desconstruir personagens, torna-se perigoso esse revisionismo. Dá para apostar que ninguém vai mudar nome de rua, estrada ou avenida quando souber que de fato os bandeirantes estavam mais para bandidos do que para heróis. Ninguém vai derrubar o Obelisco do Ibirapuera, nem a estátua de Borba Gato. E é bom lembrar que os índios que aqui viviam antes do descobrimento eram guerreiros e se aliavam a quem os ajudasse a derrotar tribos inimigas. Incluindo os bandeirantes. Vale como discussão.

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