Chico Malvadeza
Sou o que você quiser
A cidade não era tão grande. Dizia-se até que as pessoas não se cumprimentavam para impressionar os visitantes, que concluiriam que, como ninguém se conhece, a cidade é enorme. Vida normal – bares, armazéns, lojas de roupas e de sapatos e duas pensões que ostentavam o cartaz de Ambiente Familiar. Numa delas trabalhava seu Rodolfo, que lá começou como porteiro e acabou virando gerente, porque o dono do negócio tinha outros negócios e pouco parava na cidade.
Com o tempo, seu Rodolfo percebeu que era um bom negócio alugar quartos para casais. A chamada curta permanência. No começo, casais apaixonados, que usavam os quartos para trair seus maridos e mulheres. Contavam com a discrição de seu Rodolfo. Depois apareceram as mocinhas de vida torta, que recebiam seus clientes na pensão. O movimento era grande, e seu Rodolfo não punha o dinheiro da curta permanência na conta da pensão. Embolsava tudo, e o patrão não desconfiava.
Mas seu Rodolfo de discreto não tinha nada. No bar de seu bairro, onde passava quase todos os dias, contava aos amigos as aventuras da mulherada. Dava nome, referência, com quem passou a tarde e que roupa estava usando. A maioria era casada. Algumas, dizia ele, gritavam durante os encontros. Rodolfo falava em até mudar o nome da cidade para Cornolândia. Contava também quem eram os figurões que procuravam as mocinhas de vida torta. Vez ou outra seu Rodolfo também fazia sua parte de macho, comendo a mulherada fácil – mas isso ele não contava a ninguém. Sua discrição terminava aí. Até que um dia…
Eram só burburinhos, que cresceram, viraram a última do Rodolfo e chegaram aos seus ouvidos – sua mulher tinha um caso com o dono da pensão. Caso antigo. Talvez a razão de sua promoção. No começo não se importou, achou que era só fofoca. Não era. Era coisa séria. Um dos amigos, embalado pela cachaça, resolveu abrir o jogo. Rodolfo ficou intrigado – onde eles se encontravam, se ele controlava a pensão? No mato, explicou o amigo. E foi aos detalhes. O patrão vinha à cidade sem avisar e se encontrava com a mulher do gerente num morro, meio de mato. No carro trazia uma coberta, que era estendida na grama e que servia de ninho para a farra.
Num dia, em vez de ir trabalhar, seu Rodolfo tomou umas a mais e criou coragem. Foi tirar satisfações com o patrão, que na maior cara de pau confirmou tudo. Como sua mulher há quase dez anos, disse o português. E sabe por que? Porque ela me disse você é broxa e não dá conta do recado. Bêbado, seu Rodolfo pensou em se vingar, e contou ao patrão que ele também era corno, mas de outro jeito. Falou da roubalheira no caixa da pensão, dos aluguéis de quarto que não prestava conta e deu a lista dos infiéis da cidade. Um por um.
O patrão pensou um pouco e concluiu que quem contara tudo ao gerente fora sua própria mulher, talvez num momento de remorso. No dia seguinte procurou-a e deu o caso por encerrado. Some da minha vida, sua filha da puta. Você é como as outras, tudo biscate. De quebra, despediu Rodolfo. E o patrão foi além – colocou a lista dos infiéis colada na porta da pensão, pensando que todos os denunciados dariam uma surra no seu ex-gerente. Foi tudo ao contrário – um grupo de cornos resolveu dar uma surra no português. A mulherada que pulava cerca esparramou a notícia que o português tinha gonorréia, que não se tratava. Pensavam elas – esse não come mais ninguém.
A mulher de seu Rodolfo saiu da cidade. Consta que ela foi para uma zona numa cidade perto, bem maior. O português vendeu a pensão. Seu Rodolfo passou seus últimos dias tomando catuaba em doses cavalares, encucado com a história que não dava conta de mulher. Morreu numa tarde, na mesa do bar. Sonhando que um dia iria comer a filha do português.