Não fossem as descobertas de uma jovem técnica de laboratório, o estudo sobre o coronavírus levaria muitos anos ainda, mesmo com a tecnologia atual
É uma história esquecida pelo tempo, que vem à tona agora, em momento de pandemia, quando o mundo busca novos heróis. Mas foi uma mulher, nascida June Hart, na Escócia, quem primeiro descobriu como se comportava o coronavírus. Sua descoberta possibilitou os estudos atuais.
June estudou até os 16 anos, mas como faltou dinheiro na família (o pai era motorista de ônibus) foi trabalhar. Ganhava miséria, mas se dedicou ao trabalho, num laboratório de hospital, onde analisava amostras de tecido no microscópio.
Aos 24 anos, June casou com Enriques Almeida, um artista venezuelano. O casal se mudou para o Canadá, país menos exigente com diplomas e títulos. No Canadá, June conseguiu emprego como técnica de microscópio no Instituto do Câncer de Ontário. No instituto, desenvolveu métodos que permitiram identificar doenças, como a rubéola. A Medicina viu que estava diante de alguém muito capaz, e com esse reconhecimento passageiro foi convidada a se juntar à equipe da Escola de Medicina do Hospital Saint Thomas, em Londres.
De volta à Europa, trabalhou numa equipe que pesquisava resfriados junto com o médico David Tyrrell. Por uma das coincidências do destino, June recebeu uma amostra que os médicos haviam dado como insuficiente, e June conseguiu, no microscópio, imagens dos vírus, semelhantes às que havia visto em estudos anteriores em ratos e frangos.
O vírus ganhou o nome de corona por seu formato. Como em outras ocasiões ao longo da história, a primeira reação de seus colegas foi de rejeição. Uma revista científica se recusou a publicar a descoberta, alegando que as provas enviadas eram apenas imagens de baixa qualidade de partículas do vírus da gripe. Somente em 1965, o British Medical Journal divulgou a façanha e dois anos depois o Journal of General Virology publicou as fotografias.
“O sucesso de June foi resultado de uma combinação de originalidade de pensamento ao buscar e normalmente encontrar explicações simples para o que pareciam ser problemas complexos, e conhecimentos técnicos. Qualquer conversa com ela, independentemente do tamanho do grupo, era tão estimulante quanto divertida: ela tinha um senso de humor muito vivo e, às vezes, travesso”, escreveu sua filha Joyce Almeida, psiquiatra de profissão.
June morreu em 2007, aos 77 anos. Sem ela, pouco se saberia nos dias atuais sobre o coronavírus, nome dado ao vírus por ela, pelo colega David Tyrrel e pelo professor Tony Waterston.