O mundo é dos espertos. Quem nunca ouviu isso deve morar em algum lugar bem longe desse nosso povoado cheio de gentinha. A esperteza – e não a inteligência – é tão louvada por aqui que tornou-se virtude. Levar vantagem é a ordem.
Pouco depois da Copa de 1970, uma empresa lançou a marca de cigarro Vila Rica. Para promovê-la contratou o jogador Gérson, que durante anos apareceu nos comerciais de TV apregoando o cigarro e dizendo que o importante é levar vantagem em tudo.
Na cultura dessa gentinha, esperto é o sujeito que ocupa vagas reservadas para idosos, gestantes ou deficientes. Bôbo é quem respeita. Ultrapassar pelo acostamento é esperteza, vivacidade – quem fica na pista correta, aguardando sua vez de acelerar, é trouxa. Quem fura fila em banco ou supermercado também é esperto.
Noite dessas um espertinho estacionou seu carro em frente a uma agência bancária. E lá o carro ficou até de madrugada. O espertinho foi para uma festa numa rua próxima. Outros espertos usam estacionamentos de supermercados, principalmente na área central ou de muito movimento, para fazer suas coisas. E se vangloriam com os amigos de haverem iludido o segurança.
Essa cultura de esperteza foi glorificada por um ex-presidente apedeuta, que se vangloria até hoje de não ter estudado – escola é para quem é bôbo. Ele, ignorante mas esperto, ficou rico com suas falas e suas tramóias. A gentinha aplaudiu.
Infelizmente é essa a cultura que move nossas cidades. Não se dá valor a quem obedece regras, a quem respeita a sinalização, a quem faz tudo direitinho. Num domingo, na rodovia Anhanguera, um motorista foi xingado por um apressadinho. O pecado do motorista: seguia a 80 km/h, velocidade máxima indicada na placa. O espertinho e apressadinho estava a mais de 100, e se achava no direito de ofender o outro.
A esperteza está em tudo. No sujeito que finge dormir no ônibus para não dar lugar a um idoso ou a uma gestante; no caixa que faz troco errado; no vendedor ou corretor que ilude o cliente apregoando qualidades do produto que não existem.
E isso só vai melhorar quando a maioria entender que o importante é ser inteligente, estudar, obedecer regras, e não ser esperto. Não é preciso todos entenderem, só os que ainda têm inteligência, porque quem nasceu gentinha vai morrer gentinha.
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