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sábado, 23 novembro, 2024

Primeiro Jesus, agora é vez de Abel

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Embora tenha perdido a chance de ter um Mundial de Clubes, o técnico Abel Ferreira está colocando a superioridade portuguesa nos clubes do Brasil

O Palmeiras sempre foi aberto a jogadores e técnicos estrangeiros. Até então, o mais conhecido era o argentino Filpo Nuñes, responsável pela primeira academia. Agora é a vez de Abel Ferreira, que chegou ao clube na esteira do sucesso de Jorge Jesus, que treinou o Flamengo e o fez campeão da Libertadores, hoje no Benfica, em Portugal, e que já está conversando para voltar ao Flamengo. Abel conquistou também a Copa Libertadores, mas fracassou no Mundial de Clubes. Continua prestigiado.
“Não gosto de fazer comparações. Acredito que o melhor de mim está para chegar, afirma o técnico ao rechaçar paralelos com a trajetória de Jesus no Brasil. Não vivo do trabalho dos outros. Minha preocupação é olhar para dentro, corrigir os meus erros. Com minhas virtudes e meus defeitos, só penso em dar o melhor de mim para ajudar o Palmeiras e os jogadores”. O discurso motivacional, que parece ter sido importado das dinâmicas de coaching, surtiu efeito imediato, encantando elenco, diretoria e torcedores. Em seus primeiros 20 jogos à frente da equipe, teve aproveitamento melhor que o do início do ex-treinador do Flamengo.

Abel assumiu o time classificado para as oitavas da Libertadores, uma herança de Luxemburgo, demitido por não conseguir emplacar uma sequência de bons jogos, apesar de ter conquistado o Campeonato Paulista e cravado a melhor campanha da fase de grupos do torneio continental. Com Abel, o Palmeiras, de grandes investimentos em jogadores como Luiz Adriano, Gustavo Gómez, Matías Viña, Felipe Melo e o artilheiro Rony, enfim, convenceu.

Superar um River Plate que venceu duas Libertadores e chegou a cinco semifinais nos últimos seis anos sob a batuta de Gallardo deu ainda mais credibilidade ao trabalho de Abel. Em poucos meses, transformou o Palmeiras em um time tão competitivo quanto o Flamengo de Jesus, mas com diferenças marcantes de estilo. Enquanto o compatriota fez o rubro-negro carioca jogar o futebol mais vistoso do país, o técnico palmeirense molda sua equipe de acordo com o adversário, priorizando a organização defensiva e contragolpes em alta velocidade. Foi assim que desbancou o River e, como se não bastasse, chegou também à final da Copa do Brasil, cujo rival será o Grêmio. Não por acaso, o Palmeiras tem a segunda melhor defesa do Campeonato Brasileiro, competição da qual Abel resiste em abrir mão, embora a preferência declarada dos torcedores tenha sido a Libertadores.

O sucesso de Jorge Jesus, que retornou a Portugal em julho de 2020, ajudou a abrir portas para outros treinadores portugueses no Brasil. Além de Abel, Jesualdo Ferreira foi contratado para dirigir o Santos e, mais tarde, Ricardo Sá Pinto desembarcou no Rio de Janeiro para comandar o Vasco. Nenhum deles, entretanto, esteve próximo de alcançar o êxito do último campeão da América. Cada um durou apenas 15 jogos. E, ao contrário de Jesus, não deixaram saudade em seus respectivos clubes. “Quando comecei a jogar, havia muitos técnicos brasileiros em Portugal lembrou Abel, ex-lateral-direito de carreira modesta, em sua apresentação no Palmeiras, tirando o peso da escola portuguesa em sua formação. Minha referência no futebol é o conhecimento. São os livros, as pessoas, os portugueses, os brasileiros, todos aqueles que encontrei no passado, pois sou fruto das minhas experiências. Antes de vir para cá, falei com portugueses e brasileiros para aprender sobre o Brasil”.

Rapidamente adaptado ao insano calendário do futebol brasileiro, Abel Ferreira caiu nas graças dos torcedores palmeirenses não somente pelos resultados, mas pelo perfil discreto e agregador. “Somos todos um”, repete o técnico ao pregar a união entre clube, jogadores e torcida. De seus comandados, gosta de sentir o que chama de perfume do suor, sempre que seu time alcança vitórias com mais transpiração que inspiração.

Estupro, a mancha no currículo de Cuca

Alexi Stival, o Cuca, técnico do Santos, disputou e perdeu a final da Libertadores para o Palmeiras. Seu trabalho é reconhecido e já passou pelo comando de grandes clubes. Tem fama de ser religioso – se apega a uma imagem de Nossa Senhora Aparecida sempre – mas tem uma mancha em seu currículo, causada em seus tempos de jogador.

Em julho de 1987, o Grêmio foi para Berna, na Suíça, para a primeira parada de uma excursão pela Europa. Nessa época, Cuca era jogador recém-contratado pelo clube. Após a vitória sobre o Benfica, ele, o goleiro Eduardo, o zagueiro Henrique e o atacante Fernando foram detidos no hotel Metrópole sob a acusação de estuprar, dentro do quarto 204, uma menina que havia entrado na concentração gremista em busca de camisas e souvenirs da equipe. Segundo o registro policial, o grupo teria expulsado dois amigos que acompanhavam a vítima antes de cometer a violência sexual.

Enquanto os quatro acusados permaneceram presos um mês em terras suíças, o Grêmio seguiu normalmente com sua excursão, que terminou com cinco vitórias e quatro empates. “Os jogadores não conseguiram se desligar do trauma de seus companheiros e, mesmo assim, voltamos invictos”, comemorou o então técnico tricolor, Luiz Felipe Scolari, o Felipão. O caso, que ficou conhecido como o escândalo de Berna, gerou revolta em Porto Alegre. Não pela grave acusação que pesava contra os atletas do clube gaúcho, mas pelo fato de boa parte da opinião pública ter culpado a vítima pelo ocorrido e entendido que os jogadores eram injustiçados.

“Um deslize de ordem sexual em que, visivelmente, colaborou para a consumação a conduta, no mínimo, quase conivente da chamada vítima, não deve servir de amparo a uma decisão drástica”, escreveu o colunista Paulo Santana, no jornal Zero Hora (Porto Alegre), em protesto que exigia a soltura dos jogadores. Familiares dos jogadores, incluindo namoradas e esposas, também insinuavam que a garota seria a responsável pelo próprio estupro. Diante da comoção de torcedores indignados com a rigidez das autoridades suíças, que mantinham os presos incomunicáveis, cartolas e advogados do Grêmio conseguiram articular uma intervenção da diplomacia brasileira. No fim de agosto daquele ano, o Itamaraty chegou a um acordo para que os atletas pudessem retornar ao Brasil e responder ao processo em liberdade.

“Resta dar as boas vindas aos nossos doces devassos”, escreveu o cronista Wianey Carlet, no jornal Correio do Povo, para celebrar o retorno dos jogadores. No aeroporto de Porto Alegre, uma multidão, engrossada até mesmo por torcedores do rival Inter, recebeu os quatro acusados de estupro como heróis, qualificando o episódio no quarto 204 como uma travessura. Ao reencontrar a mulher Rejane, em Curitiba, Cuca pediu desculpas aos pais dela pelo escândalo e, aos dirigentes do Grêmio repetia a justificativa: “Fiquei com a impressão de que ela (vítima) tinha 18 anos”. A suposta aparência de moça feita, segundo familiares dos acusados, foi o argumento utilizado pela defesa para sustentar que a garota teria consentido os atos e desqualificar a denúncia de estupro.

Apesar de não ter sido reconhecido pela garota na delegacia, Cuca acabou condenado a 15 meses de prisão por violência sexual contra pessoa vulnerável (com menos de 16 anos), assim como os companheiros Eduardo e Henrique. A sentença do tribunal de Berna, de 15 de agosto de 1989, ainda estabeleceu pena de três meses para Fernando, por ter sido cúmplice do crime. A falta cometida na excursão, porém, jamais prejudicou a carreira dos envolvidos. Como o Brasil não extradita seus cidadãos nem mantinha acordo de cooperação com a Suiça, a possibilidade de execução das penas expirou em 2004. Depois do escândalo, Cuca assinou contrato em definitivo com o Grêmio. Passou por outros grandes clubes e pela seleção até se tornar um dos treinadores mais respeitados no momento.

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A Editora Urbem faz parte do Grupo Novo Dia e edita livros de diversos assuntos e também a Urbem Magazine, uma revista periódica 100% digital.
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