A questão do abuso sexual na infância não é um problema somente brasileiro, isso ocorre em várias partes do mundo, em menor ou maior intensidade. Necessário a identificação de alguns fatores sobre o tema. Estudos identificaram que as vítimas são (1) meninas; (2) famílias com altos níveis de conflito conjugal; (3) relatos de pouca ligação parental; (4) relatos de superproteção paterna; (5) relatos de problemas com álcool ou alcoolismo dos pais. Outros estudos identificaram como fatores de risco: (1) meninas que vivem com padrastos ao invés de seus pais genéticos; (2) crianças com problemas de desenvolvimento (atrasos ou deficiências) quando comparadas com crianças normais. Mas o maior número de casos são atribuídos a homens que pertencem à família (tios, primos, avôs), indicando que as maiores chances de ocorrência estão no âmbito familiar.
Dos estudos realizados podemos destacar vários pontos: (a) segredo familiar. A violência se manifesta pelo envolvimento dos parentes, que protegem a “honra” do abusador, para preservação do provedor e tem contado com a complacência de outros membros da família; (b) as vítimas são traumatizadas pelo medo, pela vergonha, pelo temor e ao reprimir falar do assunto podem sofrer de depressão, fobias, sensação de estar sujo e existe até mesmo a possibilidade de suicídio ligada ao trauma; (3) reincidência (exemplo: os pedófilos); (4) as pessoas vitimizadas tendem também a repetir a violência com outras pessoas; (5) presença da violência em todas as classes sociais. A pobreza não pode ser considerada causa do abuso, mas pode facilitar, pois constitui uma situação de risco ao propiciar a promiscuidade; (6) impunidade do abusador. O abusador é, muitas vezes, “perdoado” pela família e pela sociedade por razões culturais e autoritárias; (7) necessidade de terapia e acompanhamento de forma multiprofissional ou interdisciplinar, tendo em vista a complexidade do problema.
“A violência contra a criança, seja por abuso psicológico ou negligência, seja por injúria não intencional causada pela violência entre adultos, é basicamente uma doença dos adultos que se manifesta nas crianças, suas vítimas inocentes” (Briggs, 1991: 87-8)
Embora os autores mais conceituados na área reconheçam o peso dos determinantes culturais e sociais na ocorrência do abuso, é certo que – por definição – o abuso e a negligência têm lugar no interior da família, e falam da relação entre pais e filhos.
“ O discurso da violência de pais contra filhos admite que uma certa ordem de conflitos subjaz entre seus protagonistas. O que se denomina violência freqüentemente representa, para os pais, uma via de solução para dado conflito relacional cuja solução será escolhida dentre o elenco de possibilidades estabelecido pela cultura, e no limite da realidade concreta do sujeito”, afirma a doutora Hebe Signorini Gonçalves, em seu livro “Infância e Violência no Brasil”. Assim, podemos afirmar que a casa é o lugar mais perigoso para a criança.
O crescimento da violência afeta primordialmente a criança e dois pressupostos sustentam esta assertiva: primeiro, a suposição de que uma criança que sofreu violência tem grande possibilidade de se transformar em um adulto violento, que fará a mesma coisa; segundo, que a violência praticada em casa, contribui para o índice de criminalidade, como um todo, pois a criança entende que a violência possa ser posta a serviço do cometimento de crimes e delitos.
“Os autores propõem um modelo para analisar a questão da violência familiar que combina as teorias de violência familiar com as principais teorias da delinqüência juvenil. As teorias da violência familiar foram desenvolvidas em torno da análise do abuso contra a mulher e a criança, e assim elas com freqüência enfocam os adultos e o núcleo familiar como um todo. A combinação dessas teorias com as teorias da delinqüência juvenil nos auxiliará a estabelecer uma perspectiva balanceada(…)Tal combinação parece justificar-se pois a agressão pelos pais é uma forma de delinqüência” (Agnew e Huguley, 1989).
As políticas sociais não devem focar somente no binômio denúncia-repressão, mas precisam estar garantidas em leis e serviços do Estado para proteger as pessoas vitimizadas, punir os agressores, prevenir os abusos, discutir a sexualidade, assegurando à criança seu direito à autonomia, à aprendizagem. Toda violência social – seja ela por guerra, revoluções ou exploração econômica – é, no final das contas, uma conseqüência do abuso das crianças.
MAURO VAZ LIMA
Promotor de Justiça aposentado e Gestor Adjunto Institucional da Educação