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sexta-feira, 22 novembro, 2024

A importância inventada do 7 de Setembro

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Em 1822, a imprensa brasileira não registrou a data em que hoje se celebra o Dia da Independência. Narrativas memorialísticas e o famoso quadro “Independência ou Morte” ajudaram a construir imagem do “grito do Ipiranga”.

A ideia, como se fosse uma fotografia, está lá eternizada em um dos quadros mais famosos da iconografia brasileira: a pintura Independência ou Morte, feita por Pedro Américo (1843−1905) e pertencente ao acervo do Museu do Ipiranga, em São Paulo.

Na cena, um imponente príncipe Pedro (1798−1834), bem vestido e do alto de um garboso cavalo, empunha a espada às margens do rio Ipiranga. Muita gente em volta testemunha o acontecimento histórico. Na prática, contudo, nada disso ocorreu. E nem o 7 de setembro de 1822 foi tratado com a importância que depois a história lhe reservaria.

“Não há nenhum registro contemporâneo do ocorrido naquele dia, se analisarmos os jornais da época. A imprensa do Rio de Janeiro, gradativamente ao longo daquele mês, noticiou um acirramento da ideia de autonomia [do Brasil]. Mas não houve uma narrativa organizada”, pontua o historiador Marcelo Cheche Galves, estudioso de jornais do período e professor na Universidade Estadual do Maranhão.

Então príncipe regente, Pedro havia deixado o Rio de Janeiro em agosto e empreendido viagem à província de São Paulo com o objetivo de reforçar alianças e acalmar os ânimos de parte da elite incomodada com o cenário político que se desenhava. No dia 2 de setembro, em reunião presidida pela princesa Leopoldina (1796−1826), o Conselho de Estado tomou o partido de que o melhor para o Brasil seria a separação de Portugal.

Cartas foram escritas e um oficial encarregado de entregá-las a Pedro, nas terras paulistas, para fazê-lo saber do contexto. O encontro ocorreu no Ipiranga, já que o príncipe e sua comitiva estavam retornando de uma viagem a Santos. No dia seguinte, no Pátio do Colégio − na época, sede do governo paulista −, ele fez um discurso, informando os poderosos locais sobre a situação de ruptura.

“Após retornar ao Rio de Janeiro, depois da viagem a São Paulo, a data de 7 de setembro não foi noticiada na imprensa, muito menos comemorada. É importante lembrar que nem mesmo Dom Pedro fez menção a qualquer declaração de Independência na proclamação pública que dirigiu aos paulistas em 8 de setembro de 1822”, ressalta a historiadora Cecilia Helena de Salles Oliveira, professora na Universidade de São Paulo (USP), autora do recém-lançado Ideias em Confronto − Embates pelo Poder na Independência do Brasil e coorganizadora do Dicionário da Independência do Brasil.

A historiadora lembra, contudo, que, nesse pronunciamento, o monarca “pediu que todos tivessem como lema a frase ‘independência ou morte’ e que se mantivessem em alerta em relação a possíveis confrontos pela presença e pela ação de grupos políticos que defendiam propostas diferentes da separação de Portugal e da monarquia”.

Galves lembra que a independência brasileira foi um processo, não algo ocorrido da noite para o dia. Nos registros da imprensa, há indicativos fortes disso. Em junho, Pedro convocou uma assembleia com o objetivo de elaborar a primeira Constituição brasileira. “Por isso, em 1º de agosto, jornais em Londres publicam que isso já significava a independência”, pontua o historiador.

Naquele contexto, contudo, a data magna da Independência do Brasil acabaria sendo o 12 de outubro. Aniversário de 24 anos de Pedro, foi nesse dia que ele acabou aclamado imperador. “Houve um decreto transformando o Reino do Brasil em Império, ainda dentro do Reino Unido [de Portugal]”, diz Galves.

O 7 de Setembro acabaria sendo recuperado e valorizado a partir do ano seguinte. Em discurso na Assembleia Constituinte, em 3 de maio de 1823, o já imperador Pedro 1º escolheu frisar a importância dos acontecimentos em São Paulo.

“Foi o próprio Dom Pedro que criou a memória do dia 7 de Setembro”, aponta Oliveira. “Era uma maneira de valorizar sua ação e, particularmente, sua autoridade. Essa narrativa de Dom Pedro acabou por instituir a memória com a qual aprendemos a conhecer a Independência até hoje.”

“Ali ele organizou o passado da maneira como nós temos conhecimento”, afirma Galves. Em seu discurso, o monarca referiu-se aos paulistas como “brioso povo” e qualificou a província como “agradável e encantadora”.

“Por meio da declaração, Pedro afirmava que teria sido ele próprio o responsável pela decisão de ruptura da unidade luso-brasileira”, salienta a historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra, professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em artigo publicado na Revista Brasileira de História em 1995.

No pronunciamento, o imperador afirmou que “a nossa independência foi lá (em São Paulo) primeiro que em alguma parte proclamada, no sempre memorável sítio do Piranga”. E também citou que ali “fui pela primeira vez aclamado imperador”.

Lyra analisa que a intenção teria sido provocar “um tom de afirmação categórica com a intenção de dirimir dúvidas existentes ou criar uma nova interpretação sobre o fato definidor da proclamação da Independência e da aclamação do imperador”. Mas lembra que essa narrativa “permaneceu, no entanto, ainda por um tempo sem repercussão, não encontrando eco imediato nos registros da época”.

Segundo o pesquisador Paulo Rezzutti, autor de, entre outros, Independência: A História Não Contada, o Brasil tinha uma dupla comemoração, em 7 de setembro e em 12 de outubro, pelo menos até 1831. “O 7 de setembro era comemorado como uma data mais militar. O 12 de Outubro, como uma data festiva nacional, com a ideia de que naquele momento o povo havia escolhido o seu primeiro monarca”, contextualiza.

“O 7 de Setembro, inicialmente, era apenas uma data de referência. O celebrado como emancipação política era o 12 de Outubro, como data principal”, comenta o historiador Paulo Henrique Martinez, professor na Universidade Estadual Paulista.

“Essa segunda data começou a ser apagada da história a partir da abdicação de Dom Pedro (em 7 de abril de 1831), porque os deputados e senadores não queriam mais associar a Independência à data que também era aniversário de Dom Pedro”, acrescenta Rezzutti. “O 12 de Outubro começa gradualmente a ser esquecido e a dar lugar ao 7 de Setembro.”

Ao mesmo tempo, diversas narrativas memorialísticas passam a ser publicadas, reforçando o episódio ocorrido às margens do Ipiranga. Por exemplo, um relato atribuído ao padre Belchior Pinheiro de Oliveira (1775−1856), integrante da comitiva da viagem de Pedro a São Paulo e visto como conselheiro do nobre.

Em seu texto, ele fez constar o diálogo que teria ocorrido naquele momento e enfatizou que as palavras do então príncipe diziam “nada mais quero do governo português e proclamo o Brasil para sempre separado de Portugal”. O problema é que esse relato foi publicado apenas em 1826, ou seja, quatro anos após o fato − e com um contexto ideológico já mais assentado.

O imaginário demorou para se cristalizar, evidentemente. “A construção sobre o episódio da Independência tomou corpo em meados do século 19, na forma de homenagens, análises e descrições”, diz Martinez. “A tela de Pedro Américo (Independência ou Morte), sua exposição e sua divulgação, acabou dando a visibilidade e fixando a imagem, com toda a cenografia e a postura altiva que o quadro representa.”

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