Uma comerciante negra de 51 anos, pisoteada por um PM em Parelheiros, na zona sul de São Paulo, é agora denunciada pelo Ministério Público por quatro crimes que teria cometido durante a ação policial. A defesa da mulher classifica a denúncia como “estapafúrdia”.
Nesta terça-feira (19), a promotora Flávia Lias Sgobi ofereceu a denúncia à Justiça. Agredida em maio de 2020, a mulher é acusada de infração de medida sanitária preventiva, desacato, resistência e lesão corporal contra um dos policiais envolvidos. A mesma ação levou à morte de George Floyd, homem negro norte-americano sufocado por um policial que ajoelhou sobre seu pescoço.
Segundo o advogado da comerciante, Felipe Morandini, a promotora fez um “copia e cola” do boletim de ocorrência lavrado contra a comerciante em 30 de maio de 2020, dia da agressão, quando ela e mais dois clientes foram indiciados por resistência, desobediência, desacato e lesão corporal.
“Eu recebi essa denúncia com bastante estarrecimento, não esperava. Até por causa de tudo que foi noticiado e considerando o avanço do processo que corre na Justiça Militar, contra os policiais, o que se esperava era o arquivamento do inquérito, mas infelizmente isso não aconteceu”, lamentou o defensor, mencionando o inquérito aberto contra os policiais.
Já a promotora afirma que levou em conta informações trazidas pelos policiais.”Diante dos elementos trazidos ao conhecimento do Ministério Público pela autoridade policial, a Promotoria ofereceu denúncia contra a senhora Elisabete. Na fase processual, com direito à ampla defesa, os fatos apurados durante a investigação serão devidamente esclarecidos”.
Morandini conta que a comerciante via semelhanças com o caso de Floyd enquanto era agredida.”Ela [a comerciante] diz que achou que fosse morrer como o George Floyd, que aquela imagem passava pela cabeça dela durante aquela ação, e me parece que tudo isso foi desconsiderado pela promotora. Agora eu tenho que aguardar a decisão do juiz, se ele vai receber a denúncia. Eu espero que seja rejeitado, mas sendo aceito será feita a defesa.
O TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) ainda vai avaliar se aceita ou não a denúncia. Em nota, o órgão afirmou que só irá se pronunciar após a decisão.
Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020 (levantamento mais recente feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, com dados do ano de 2019), 74,4% das vítimas de homicídio no Brasil eram pessoas negras. Entre as pessoas mortas por policiais, 79,1% são pessoas negras. Na esfera do poder público, não existe uma divulgação transparente de dados oficiais nacionais sobre homicídios ou sobre mortes provocadas por policiais em todo o Brasil. O governo brasileiro também não disponibiliza dados nacionais sobre as investigações e punições de homicídios.