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sexta-feira, 22 novembro, 2024

Jovens enfrentam ‘síndrome da gaiola’

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Eles são adolescentes e não querem voltar para as aulas presenciais. Não retornaram em 2020 nem querem agora em 2021, quando a educação foi autorizada a abrir no Estado. Estão há mais de um ano sem praticamente ver amigos, ir a festas, namorar. 

Pais e médicos se preocupam porque sabem que a escola não é apenas a aprendizagem acadêmica – e na maioria das vezes eles até se saem muito bem no online. Ela é fundamental para a criação de valores, de noções de sociedade, regras, politização, independência e habilidade de lidar com conflitos que, com certeza, não acontecem dentro de um quarto.

Apesar de nem todos serem casos de transtornos da saúde mental, adolescentes com crises de pânico e ansiedade se tornaram comuns em consultórios psiquiátricos durante a pandemia. 

Pode ser a síndrome da gaiola, como nomeou um especialista. Ou seja, a gaiola é aberta, mas o pássaro não quer sair. Médicos dizem que o prejuízo é enorme agora e para o futuro de jovens que completaram 15, 16, 17 anos fechados em casa.

Marcelo acabou de fazer 18. Foi seu segundo aniversário na pandemia. Começou a fazer terapia em novembro quando sentiu que já não tinha mais vontade de nada. “Via que meus amigos estavam muito ansiosos para a escola voltar, mas eu não sentia falta.”

Ele foi um dos poucos que não retornaram ao presencial em fevereiro, o que preocupou a mãe. “Ele sempre foi um menino disciplinado, nunca precisei supervisionar nada, mas percebi que estava muito desinteressado. Eu tinha medo de ele entrar em depressão, pedi para ele ir para a escola”, conta. Mas o adolescente diz que tem medo de contaminar sua família e se organizou bem para estudar em casa. “Eu olho para a escola como algo do passado, como um momento que acabou. Aquela escola não existe mais.”

A única exceção aberta por Marcelo para sair de casa durante a pandemia foi uma viagem com alguns amigos no ano-novo – todos testados para covid. “Eu vi o sorriso dele nas fotos e vídeos da viagem e até chorei de emoção. Era um sorriso genuíno, que eu não via fazia tempo”, diz a mãe.

“O que mais me deixa preocupado é a desesperança que vejo em adolescentes”, diz o psiquiatra da infância e adolescência, da Associação Brasileira de Psiquiatria, Gabriel Lopes, que cunhou o termo síndrome da gaiola. “É uma entrega.” Para ele, os pais precisam se preocupar quando o jovem deixa de se revoltar com a dificuldade que a pandemia traz para sua vida.

Estudo realizado por um grupo de pesquisadores de 20 universidades americanas, analisando adolescentes de Estados Unidos, Peru e Holanda, mostrou que os sintomas de depressão aumentaram 28% com seis meses de pandemia. Foram acompanhados 1.339 estudantes, de 9 a 18 anos, antes e depois da covid.

Segundo os autores, o apoio social é um dos fatores que mais protegem contra a depressão dos adolescentes. A conclusão do estudo é a de que políticas públicas durante a pandemia precisam considerar a saúde mental dos adolescentes, como o incentivo à volta das aulas presenciais.

Pesquisas também mostram, no entanto, que retornar para a escola pode ser um fator de forte ansiedade. Isso porque, explica o psiquiatra da infância e adolescência da Universidade de São Paulo (USP) Guilherme Polanczyk, ela é um espaço de ameaça social, onde o jovem pode se deparar com situações de conflito, inesperadas. “Eles se sentem confortáveis em casa, só mantêm contato com os amigos, com quem têm uma boa relação, se sentem seguros.”

Mas, segundo Polanczyk, ao evitar essas dificuldades, não desenvolvem habilidades importantes para toda a vida. “Muitos estímulos que eram normais para um adolescente deixaram de existir. Eles perdem autonomia.”

Paulo, de 15 anos, se formou no ensino fundamental sem nunca ter pisado na escola. Ele mudou de instituição no meio da pandemia, no ano passado. E em 2021, como foi para o ensino médio, mudou de novo, para outra que também nunca esteve. Mas não tem vontade de conhecer.

“Ele faz tudo pelo computador, para ele está ótimo. Me preocupo muito como vai ser quando abrir o mundo”, diz a mãe Fátima. Ela conta que sente o menino ansioso, mas muito quieto e sem reclamar de nada. E lamenta que, antes da covid, Paulo estava começando a sair sozinho, ir a festas, ao shopping com amigos. “É muito triste.”

“Um aluno que está em casa muito mal nos preocupa muito, mas o que está em casa muito bem também nos preocupa muito”, diz o orientador educacional do Colégio Santa Cruz, Silvio Hotimsky. Segundo especialistas, a escola é fundamental para identificar eventuais problemas, mesmo por meio das câmeras da aula online. Ele conta que tenta levar ao presencial adolescentes que estão desconectados do grupo. “Adolescência é o momento do encontro, de identificações, e tudo isso sofre uma regressão quando se está em casa só com a família.”

Para Lopes, pais e mães muitas vezes veem como “um motivo nobre” o fato de o adolescente não querer ir para a escola, já que estaria se preocupando com os outros. “Tem de olhar melhor para isso. Claro que tem a preocupação legítima com os pais, o medo, mas pode estar escondendo outro motivo.”

Alice, de 13 anos, ficou o ano passado todo fechada em casa e resolveu, perto do Natal, ir pela primeira vez a um shopping no interior de São Paulo, onde mora. Ao passear pelos corredores, começou a sentir falta de ar e muito medo. Foi diagnosticada com transtorno de ansiedade, algo que nunca tinha ocorrido. “Eu tinha muito medo de pegar a covid, de passar para os meus pais.”

Em março, quando estava se preparando para voltar às aulas presenciais, a crise veio de novo. “Sentia que tinha algo na minha garganta, fiquei duas semanas quase sem comer nada e emagreci três quilos. “Era a escola. Voltar me deixou muito nervosa”. Alice passou a tomar remédios, agora se sente melhor. Sua escola será aberta amanhã, mas os pais não a deixaram voltar por medo de contaminação. “Estou mais tranquila e com saudade dos meus amigos.”

Antonio fez 15 anos durante a pandemia, em um ano que, mesmo sem quase sair de casa, seu pai se contaminou com a covid-19 e seu avô morreu da doença. Até então, era um aluno excepcional, que adorava o colégio e gostava muito de ler.

Mas os eventos de 2020 fizeram Antonio passar a ter crises de pânico só de pensar em escola e a praticamente parar de estudar neste ano.

O menino já tinha diagnóstico de transtorno obsessivo compulsivo (TOC), caracterizado pela obsessão por ideias ou imagens que muitas vezes só é amenizada por um ritual de compulsão, com regras rígidas e preestabelecidas. A mãe Marta, também com TOC, percebeu aos 8 anos que o filho lavava excessivamente as mãos. Segundo especialistas, adolescentes já com um transtorno mental foram ainda mais prejudicados com a falta de escola durante a pandemia.

“Passamos o ano presos e com muitas fobias, rituais de limpeza, ele não teve aulas presenciais nem saiu para lugar nenhum em 2020”, conta Marta. Em fevereiro, com a proximidade da volta às aulas presenciais, a mãe conta que o menino “não tinha mais unhas para roer”.

Ele chegou a ir três vezes à escola e passou a ter crises de pânico. “Ele já despertava para o café com olhos arregalados, veias saltando no pescoço, tremendo.”

Quando a educação fechou novamente em São Paulo, o ensino remoto também não foi fácil. “A pior coisa que inventaram nessa pandemia foi o ensino a distância”, diz Antonio. Já no ensino médio, ele começou a estudar compulsivamente por 12 horas e ter ideias recorrentes de que nunca conseguiria tirar nota boa, sendo que era um aluno exemplar. Mesmo com medicação e acompanhamento médico, ele não melhorava.

A mãe, então, contou a situação à direção da escola, que permitiu que ele apenas fizesse as provas e não precisasse mais participar das aulas online. Marta passou a cronometrar o tempo de estudo do filho, que não poderia passar de meia hora por dia. Mesmo assim, ele tirou ótimas notas. O arranjo deve continuar durante todo o semestre, para alívio de Antonio.

Só de falar em voltar, ele já não dorme mais, começa a tremer”, diz Marta. Antonio ainda não consegue ler livros porque a compulsão pela checagem o impede de passar do primeiro parágrafo. Mas já se sente mais tranquilo, ao menos em casa. Desligou seu celular e pouco fala com os amigos da escola, que insistem em saber se está bem.

Antonio agora se preocupa com os jovens ocupando as UTIs. “Só volto para a escola quando todos os professores e alunos forem vacinados.”

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