A fatalidade envolvendo o cão Joca, de apenas 4 anos, durante um voo operado pela Gol, deixou tutores em todo o país com o coração partido. O caso está sob investigação da Delegacia do Meio Ambiente de Guarulhos, na Grande São Paulo, e levanta questões sobre as fragilidades do atual modelo de transporte aéreo de animais em porões ou aviões de carga adotado no Brasil.
Especialistas em saúde e direitos dos animais destacam os múltiplos riscos enfrentados por pets nessas condições, incluindo lesões decorrentes do estresse do confinamento, como animais se debatendo dentro da caixa de transporte ou mordendo as próprias patas, exposição a substâncias tóxicas ou perigosas transportadas no ambiente, falta de ventilação adequada, desidratação ou hipotermia devido à falta de controle de temperatura, ansiedade de separação, problemas circulatórios devido à imobilidade prolongada, extravio, perda e até mesmo morte.
No caso específico do golden retriever, pesando 47 kg e considerado um animal de grande porte, a companhia o embarcou no porão em um voo separado do da família. Ao invés de direcioná-lo para seu destino em Sinop (MT), a Gol despachou Joca para Fortaleza (CE), resultando em uma jornada quatro vezes mais longa do que o previsto inicialmente.
João Fantazzini, tutor do cão Joca, está inconsolável com a perda e, através das redes sociais, responsabiliza a Gol pela tragédia. A viagem do pet para a família custou R$ 2,4 mil, com uma previsão de duração de 2h30, porém, se estendeu para 8 horas, durante as quais o cão foi exposto a altas temperaturas dentro da caixa de transporte.
Adroaldo José Zanella, professor especializado em bem-estar animal na FMVZ-USP (Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo), destaca que o estresse do animal nesses casos geralmente é desencadeado pelo ambiente desconhecido, ruídos, variações bruscas de temperatura e pressão, e até mesmo pela escuridão. “Isso pode resultar em um estado de estresse excessivo e comprometer o metabolismo do animal. Dependendo das condições individuais do animal, se ele tiver alguma predisposição ou for idoso, pode ocorrer óbito”, afirma o professor.
Além de utilizar uma caixa de transporte adequada, é fundamental que o tutor treine o animal previamente para esse tipo de experiência. “O animal não consegue compreender que se trata de uma situação temporária e que logo estará de volta com seu tutor. Transformar essa experiência altamente estressante em algo positivo é de suma importância”, destaca o professor.
Zanella destaca a importância do monitoramento da altitude e da temperatura, juntamente com a implementação de um plano de contingência e a presença de um veterinário para lidar com situações como a de Joca. Ele ressalta: “Espero que isso motive o poder público e a sociedade civil a se organizarem, para que possamos realmente implementar formas de proteger o bem-estar dos animais durante o transporte”.
A médica veterinária Michelle Cristina Durci enfatiza que os animais devem passar por exames prévios antes de embarcar, mas também destaca a necessidade das companhias aéreas estarem preparadas para lidar com eles de maneira adequada. “O ideal seria que esses animais viajassem com os tutores na cabine, em assentos com espaço para as caixas de transporte, e que houvesse uma equipe médica veterinária em todos os aeroportos para monitoramento”, afirma Durci.
Carla Maion, veterinária especialista em nutrição animal, sugere que os tutores tomem precauções antes da viagem, como escolher uma empresa que ofereça suporte adequado ao animal, incluindo a realização de inspeções periódicas de saúde e a garantia de espaços confortáveis durante o trajeto. Ela também recomenda que sempre optem por voos diretos, evitando o transporte como carga viva, a fim de reduzir o tempo de trânsito e minimizar o estresse dos animais.
Maion destaca que as companhias aéreas precisam investir em equipamentos adequados, como áreas de conforto para animais (antes e após o voo) e compartimentos de carga viva pressurizados e climatizados. “Um animal não é como uma mala. É necessário seguir medidas de segurança específicas, incluindo treinamento para a equipe que manuseia, procedimentos claros para garantir o cuidado com os animais e protocolos para lidar com emergências, como a falta de oxigênio ou problemas de saúde durante o voo”, ressalta a veterinária.
A Gol emitiu uma nota expressando pesar pelo ocorrido e reconhecendo o erro operacional que resultou na morte de Joca. A empresa interrompeu a venda do serviço de transporte de cães e gatos pela Gollog Animais e pelo produto Dog&Cat + Espaço para o porão, até a conclusão das investigações internas, no final da tarde de terça-feira (23). Os clientes que contrataram o serviço para este período têm a opção de solicitar reembolso ou adiar o transporte até o final do ano.
A norma 12.307, de 2023, da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), que regulamenta o transporte aéreo de animais, permite a liberação de pets na cabine apenas para animais-guia, deixando as demais regras de embarque a critério de cada empresa aérea.