Os atrasos na aquisição de vacinas contra a covid-19 pelo Ministério da Saúde resultaram no adiamento do início da campanha de imunização deste ano e já estão causando escassez em diversos estados do Brasil.
Segundo o ministério, o problema surgiu devido a um impasse entre as empresas farmacêuticas Pfizer e Moderna, que entraram em disputa judicial devido a discordâncias no processo de compra. No entanto, especialistas apontam que a falta de imunizantes também está ligada à ausência de um planejamento adequado por parte do ministério.
No mês de fevereiro, o Ministério da Saúde anunciou que estava em fase de negociação para adquirir a vacina atualizada contra a variante XBB.1.5 da ômicron e que esperava receber as doses do imunizante já em março, sinalizando o início da campanha para o mês seguinte. A declaração foi feita nas redes sociais pela secretária de Vigilância em Saúde e Ambiente do ministério, Ethel Maciel.
Posteriormente, a campanha foi prometida para abril, mas agora está prevista para começar apenas em maio. Segundo Ethel, os atrasos na aquisição decorreram de um impasse jurídico entre as empresas concorrentes no pregão. Ela explicou que o Ministério da Saúde iniciou um processo de compra emergencial em dezembro, quando a vacina atualizada da Pfizer foi autorizada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Em março, no entanto, a vacina atualizada da Moderna para a variante XBB.1.5 também foi aprovada pela agência e entrou na disputa, vencendo o pregão. Depois disso, a Pfizer contestou o resultado, desencadeando uma disputa judicial que deve ser concluída nesta quinta-feira, 18, quando o resultado da licitação será divulgado pelo ministério.
Atualmente, o Ministério da Saúde possui apenas 1,5 milhão de doses da vacina pediátrica contra a COVID-19 em estoque para distribuição, sem mais doses disponíveis para maiores de 12 anos.
Como resultado, pelo menos seis estados (de dez que responderam às perguntas da reportagem) já estão com falta de doses ou correm o risco de interromper a vacinação devido aos baixos estoques.
O Paraná informou que seus estoques estão escassos e que há risco de interrupção na vacinação. A Secretaria da Saúde paranaense comunicou o ministério sobre a situação em 15 de março.
Santa Catarina também relatou estar com falta de doses, recebendo apenas 40% das doses solicitadas na última remessa, em 8 de março. “Em 28 de março, fizemos um novo pedido, mas até o momento não foi autorizado e não há previsão de regularização, já que os estoques no estado se esgotaram na última semana”, afirmou a Secretaria da Saúde catarinense sobre as doses da Pfizer bivalente. O estoque da Pfizer pediátrica no estado está restrito, com quantidade suficiente apenas para bebês.
São Paulo não esclareceu se enfrenta escassez de doses em seus estoques, mas ressaltou que desde fevereiro o Ministério da Saúde tem enviado menos vacinas bivalentes do que o solicitado pelo estado. A Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo informou que solicitou 400 mil doses da Pfizer bivalente para maiores de 12 anos, porém nenhuma dose foi recebida até o momento.
No Rio de Janeiro, foi confirmado que não há mais doses disponíveis da vacina bivalente para a população a partir dos 12 anos, e que a Coronavac está sendo utilizada para esse grupo. Segundo a Secretaria de Saúde do Rio, a “estratégia de vacinação de dose de reforço para os grupos prioritários a partir de cinco anos de idade será impactada pela irregularidade no fornecimento de imunobiológicos por parte do Ministério da Saúde”.
O que dizem os especialistas
Especialistas criticaram o cenário e destacaram que a vacina atualizada contra a variante XBB.1.5 está disponível em outros países há meses. Em uma carta endereçada ao Ministério da Saúde e publicada nas redes sociais na última terça-feira, 16, o movimento “Qual máscara?”, composto por especialistas em saúde coletiva, criticou a demora do governo em adquirir as doses atualizadas da vacina contra a COVID-19.
“A Anvisa apenas aprovou seu uso no Brasil em dezembro e, até o momento, não temos notícias do início da vacinação, inicialmente anunciada para março, depois para abril e agora sem previsão. Mesmo ao iniciar, o governo está negociando apenas 12,5 milhões de doses, que cobrem menos de 6% da população do País”, diz o texto.
“O problema é que o ministério demorou para iniciar o processo de compra. Deveria prever esses contratempos. Faltou planejamento”, afirmou Julio Croda, infectologista da Fiocruz, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e um dos signatários da carta.
O ministério informou que a expectativa é assinar o contrato até sexta-feira. Segundo a pasta, após a assinatura, as doses devem ser entregues em até sete dias. “Acreditamos que em maio restabeleça esses estoques, porque nós abrimos a compra emergencial para iniciar a vacinação em abril, o que agora estaremos transferindo para maio”, disse Ethel.
A secretária se defendeu das críticas sobre falta de planejamento. “A gente depende da aprovação da Anvisa, que aconteceu em dezembro. A gente iniciou a compra e ela está acontecendo agora. Do ponto de vista do Ministério da Saúde, tudo que poderia ter sido feito para que o processo fosse o mais célere possível foi feito”, declarou.
Ela afirmou ainda que, além do processo de compra de 12,5 milhões de doses pela modalidade emergencial, o Ministério da Saúde abriu um procedimento de compra regular para adquirir cerca de 70 milhões de vacinas. Esse trâmite, no entanto, tem prazo maior e costuma demorar cerca de oito meses.
Em nota enviada a reportagem , a Pfizer afirmou que recorreu da classificação de uma proposta que, na visão da farmacêutica, “continha inconsistências”. A empresa disse que aguarda o desfecho do processo de compra e que atenderá ao edital “prontamente”.
A reportagem também questionou a Moderna, mas a empresa ainda não respondeu.