Pesquisadores da USP (Universidade de São Paulo), da Fiocruz, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo) e da Universidad de Santiago de Chile advertem: 57 mil pessoas morrem por ano no Brasil de forma prematura (entre 30 e 69 anos) tendo como causa o consumo de ultraprocessados.
Só para se ter uma ideia, isso é mais do que o total de homicídios no país no mesmo período —foram 45,5 mil em 2019, segundo o Atlas da Violência— e do que a soma de mortes ao ano por câncer de pulmão (28,6 mil) e de mama (18 mil), os dois tipos de tumores que mais matam no país, segundo dados do Inca (Instituto Nacional de Câncer).
O estudo é inédito e foi publicado no American Journal of Preventive Medicine. de acordo com os pesquisadores, os ultraprocessados são formulações industriais feitas com partes de alimentos e que geralmente contêm aditivos sintetizados em laboratório, como corantes, conservantes e aromatizantes: são guloseimas industrializadas, salgadinhos de pacote, refrigerantes, pizzas congeladas, salsichas, nuggets etc.
Neste sentido, existe um conjunto crescente de pesquisas que apontam para o consumo desses produtos relacionados ao aumento de peso e ao risco de várias doenças não transmissíveis, como diabetes, problemas cardiovasculares e câncer. Os autores do artigo partiram desse acúmulo de evidências para construir um modelo que leva em conta os riscos do consumo de ultraprocessados e os associa a mortes em geral.
Estudos anteriormente realizados estimam que os impactos na saúde dos chamados “nutrientes críticos” —como sódio, gordura saturada e açúcar—, ainda não havia nenhum que calculasse as mortes prematuras atribuíveis ao consumo de ultraprocessados em geral.
“Isso é importante porque o problema não está apenas nos nutrientes críticos. Há vários mecanismos pelos quais os ultraprocessados podem afetar a saúde: há discussões sobre mudanças na absorção dos nutrientes, além de evidências de que os ultraprocessados têm mecanismos inflamatórios e de que estão relacionados a alterações na microbiota intestinal. E há também o que chamamos de neocontaminantes, já que tanto o processo de fabricação quanto as embalagens dos ultraprocessados podem gerar ou introduzir contaminantes químicos nos alimentos”, aponta Eduardo Nilson, pesquisador do Nupens (Núcleo de Pesquisas em Nutrição e Saúde) da USP e um dos autores do trabalho.
O pesquisador destaca ainda que, justamente pelo fato de os ultraprocessados afetarem o organismo de tantas formas, ele e seus colegas optaram por estimar as mortes por todas as causas —e não apenas por doenças determinadas. Quando ele diz que o modelo inclui mortes por todas as causas, são todas mesmo, inclusive as não naturais. Isso pode parecer estranho à primeira vista, mas o autor explica: “Essa é uma forma de dimensionar a carga total de determinado fator de risco —nesse caso, o consumo de ultraprocessados— nas mortes totais na população desta faixa etária.”
De acordo com Nilson, se não existisse nenhum consumo desses produtos, é claro que ainda haveria muitas mortes, já que pessoas continuariam sofrendo acidentes, sendo vítimas de homicídio, tendo doenças infectocontagiosas e até mesmo desenvolvendo doenças crônicas não transmissíveis, pois há muitos outros fatores de risco para elas. “Mas a ideia do estudo foi justamente estimar, entre as mortes prematuras por todas as causas possíveis, quantas são associadas ao consumo de ultraprocessados, pois os riscos relativos utilizados nos cálculos incorporam isso”, afirma ele.