As desgraças que aconteceram em algumas cidades no fim de semana já estavam previstas. Só faltava marcar dia e hora. Eram inevitáveis. Sob a ótica dos especialistas ou de crianças, casas construídas em encostas, sobre terra fofa e molhada, só têm um destino. E pobre de quem estiver dentro ou abaixo delas. Mas, como tudo o que acontece em nossa terra não passa de lamentações, projetos e planos, logo o assunto tragédia estará solene e absolutamente esquecido.
Essas tragédias têm um histórico por demais conhecido. Locais bem urbanizados custam caro, e quem não tem condição vai sendo empurrado para as periferias. Nas periferias, o terreno é mais barato, e consequentemente pior, acidentado, inseguro. Mas não há outro remédio para o cidadão que precisa abrigar sua família. Os governos, via de regra, pouco fazem pela habitação. As construtoras não querem saber do populacho. Querem lucros.
Nesses terrenos, constrói-se sem critérios, sem planta de engenharia. Fundações mal feitas, falta de colunas de concreto, de material de qualidade são a regra. Tornam-se irregulares perante as prefeituras. Mas sempre há um ou mais vereador, um ou mais “líder comunitário” para quebrar o galho, para o poder público fechar o olho para a aberração.
As novas casas, agora regulares por atos políticos, sempre de olho nos votos, passam a formar novos bairros, e lá, logo se instalam o comércio e serviços. Qualquer garagem serve para abrigar um salão de cabeleireira ou uma quitanda, a princípio irregulares, mas novamente legais após a interferência de um ou mais vereador, um ou mais “líder comunitário”. É assim que funciona.
Terrenos baratos, acessíveis ao populacho, estão em encostas de morro, em barrocas. Não são loteamentos legais, não têm a mínima infraestrutura. Mas com o tempo terão tudo isso. Para prefeitos, é um bom negócio. Legalizando essas moradias, dotando-as de serviços públicos, como água, coleta de esgoto, coleta de lixo, pavimentação, fazem uma média e tanto com o eleitorado. E, de quebra, ainda podem cobrar o IPTU. É assim que funciona.
Bairros assim tornam-se também excelentes lugares para a caridade política. Distribuição de brinquedos no Natal ou no Dia das Crianças, por exemplo; ou distribuição de agasalhos, ou de cestas básicas. Com jeitinho, dá até para fazer um centro comunitário e lá promover festas temáticas. O populacho vai gostar. Até que chega a época das chuvas. E o que era alegria se transforma em tragédia.
Uma tragédia a ser lamentada e chorada por todos. Uma tragédia que vai ganhar espaço em jornais e na TV. Tragédia que trará à luz a opinião de urbanistas, engenheiros, planejadores, técnicos em qualquer coisa. Promessas solenes são feitas. Governos anunciarão verbas especiais a título de socorro a desabrigados.
E passadas as chuvas, tudo será esquecido. E tudo será lembrado no próximo janeiro, quando a história vai se repetir. Até lá, o voto é garantido.
Anselmo Brombal – Jornalista