Segundo projeções do FMI, o país de 28 milhões de habitantes, com uma das maiores reservas petrolíferas do mundo, terminará o ano com a menor renda per capita da região: US$ 1.627 – atrás do Haiti
O Haiti sempre foi o país mais pobre da América Latina. Devastado por terremotos e imerso em crises políticas, o país se acostumou com o poder do crime organizado e com o colapso econômico permanente, uma fábrica de refugiados. Mas, quando o ano acabar, o primo mais pobre dos latino-americanos será a Venezuela.
Segundo projeções do FMI, o país de 28 milhões de habitantes, com uma das maiores reservas petrolíferas do mundo, terminará o ano com a menor renda per capita da região: US$ 1.627 – atrás do Haiti, com US$ 1.690. Dez anos atrás, a renda per capita do país era de US$ 12,1 mil.
Venezuelanos e analistas econômicos não veem a notícia com surpresa. Para Erik de Bufalo, professor da Universidade Simón Bolívar, a posição da Venezuela é reflexo da política econômica chavista. “Para um país que já teve a terceira maior economia da região, essa situação é lamentável. Mas não é uma surpresa, porque o modelo de exploração chavista tem levado a isso”. Em sete anos, o PIB do país caiu 81,8%.
Alan Zamayoa, analista de risco da Control Risks para América Central e Caribe, surpreendeu-se com o fato de o Haiti sair da última posição. “Aqui no Haiti não tivemos um crescimento econômico significativo em três anos. Antes da pandemia o Haiti já não tinha uma boa performance econômica. Agora, a insegurança também impacta na economia”.
“Devemos avaliar a performance em relação às oportunidades de cada país. A Venezuela é um dos maiores produtores de petróleo, por isso é um desastre muito maior, mesmo que o Haiti seja um pouco mais pobre. A situação econômica e social é tão dramática que se a economia contraiu um pouco mais ou um pouco menos do que o Haiti, continua sendo um ponto muito fora da curva”, afirma o economista chefe para a América Latina do Goldman Sachs, Alberto Ramos.
Para quem vive na Venezuela, o cotidiano evidencia o que o FMI escancara em números. De acordo com um estudo recente elaborado por universidades venezuelanas, 76,6% da população vive com menos de US$ 1,2 dólar ao dia e 8 milhões de pessoas estão desempregadas.
“A indústria nacional está muito enfraquecida, não produzimos nada. Há muita insegurança com relação às empresas estatais, por exemplo. A projeção do FMI prova que a economia não se recuperou. Continuamos sem produzir bens e serviços e com uma hiperinflação que aumenta os preços a cada dia”, afirma o radialista Nehomar Hernández, de 33 anos.
A Venezuela vive em hiperinflação há 47 meses, quase quatro anos, o maior colapso econômico de todos os tempos de um país que não está em guerra. No final de 2022, segundo o FMI, o país terá tido 79% de contração da economia desde 2013, mais que o dobro da contração da Grande Depressão nos EUA (28%).
Durante seu governo, o presidente Nicolás Maduro realizou três reconversões da moeda e eliminou 14 zeros do bolívar nos últimos 13 anos. Recentemente, para tentar conter a crise, o chavista diminuiu o controle sobre as importações.
“Quem chega a Caracas hoje acredita que nossa situação econômica melhorou. Um dos motivos é o fenômeno das bodegones, lojas de produtos importados onde se vende tudo o que você vê nas prateleiras de Miami. Maduro apostou em gerar uma ilusão de bem-estar econômico, mas isso chega a 10% ou 20% da população. O restante vive com US$ 1 por dia”, diz Hernández.
Nas ruas, o dinheiro que mais circula é o dólar. Nas bodegones a situação é a mesma. E o acesso ao dólar se massificou entre a maior parte da população, justamente em razão da desvalorização da moeda local.
“O bolívar está desvalorizado. É preciso muitas notas para pagar uma coisa simples. Agora, o acesso ao dólar está disseminado porque trabalhadores informais e independentes, desde mecânicos até médicos, cobram os serviços em dólar. Em geral, os serviços valem o mesmo que fora do país”, afirma Hernández.
De Bufalo explica que essa dolarização informal da economia venezuelana foi uma opção do chavismo. “Agora, o governo substitui o que se produzia por importações controladas pelo Estado. Esse modelo exclui a base da economia, as instituições e até a indústria petrolífera sai afetada.”
Hernández se considera privilegiado por integrar uma classe média alta, com casa própria e um carro para circular por Caracas. Trabalhando para uma rádio espanhola há três anos, ele recebe seu salário de fora do país e isso permite que ele “viva em certo conforto”. “Mas isso não é comum. Eu sei que estou entre os 20% da população, no máximo, e sei como precisamos de um país melhor”, afirma.