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sexta-feira, 22 novembro, 2024

Emília e sua bolsa dourada

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CHICO MALVADEZA

Entre as jovens de sua idade – e lá se vão mais de quarenta anos – Emília era a que mais se destacava. Usava roupas modernas para a época, como botas e mini-saia. Sutiã nem pensar. E, para escândalo dos mais puritanos, usava uma bolsa dourada, comprada na Capital. Última moda, diziam. Com 17 anos, pernas torneadas, cabelos compridos e olhar insinuante, Emília podia escolher namorado. Ou melhor, namorados. Seus romances duravam uma semana na média. Romances tórridos, calientes, depois divulgados nos bares e clubes da cidade. Com detalhes.

E todos tinham curiosidade de saber o que ela levava na bolsa. Sabia-se do básico: escova de cabelo, batom, espelho, um absorvente para emergências, balas de hortelã para disfarçar o hálito de cerveja e as chaves de casa. Seus pais eram separados, ela filha única. Morava com a mãe, que dava mais atenção ao Mané da Padoca do que para a filha, pouco se importando com seu horário de chegada. Então as chaves de casa eram pouco usadas – via de regra, Emília voltava com o dia amanhecido.

Com 18 anos, participou de um concurso de beleza. E ganhou. Tornou-se miss, com direito à faixa e à coroa. Foi capa do jornalzinho local. Começou a participar de desfiles de moda, sempre com trajes de banho, o que atraiu a atenção de um dono de agência de carros que também tinha fama de bicheiro. E cheio da grana. Acabou levando Emília para um apartamento e passou a bancar a mocinha. Uma vez por semana o sujeito aparecia, passava a tarde toda no apartamento, deixava dinheiro e dava sua comida. Não passava de uma. E Emília queria mais.

Ela passou então a sair com outros rapazes. Usava o dinheiro do negociante-bicheiro para bancar a despesa de hotel dos caras bons de cama que não podiam pagar. Cada dia um diferente, mas sempre na cidade vizinha, para não despertar comentários. Ao bicheiro, disse que estava fazendo um curso de datilografia. Desconfiado, ele mandou instalar um telefone no apartamento que servia de alcova. Emília trocava de bolsa, mas as novas sempre eram douradas.

Um dia aconteceu o que ninguém esperava. Numa de suas visitas ao apartamento, o bicheiro morreu. Peladinho, fazendo sexo com Emília. Infarto fulminante. Ela pensou um pouco e concluiu que não tinha muito a perder se falasse a verdade. Chamou a Polícia, que chamou o carro funerário para levar o corpo ao necrotério. Na mesma noite Emília deu pro investigador que estava no caso. Na noite seguinte, para o delegado.

A morte do sujeito escandalizou a cidade, mas oficialmente o jornalzinho local noticiou que ele morrera em frente ao prédio, na rua. Coisa que poucos acreditaram. O comentário era que a família do defundo havia pago o dono do jornal para contar essa história. O que ninguém sabia era que Emília havia escondido uma maleta com dinheiro do bicheiro antes de chamar a Polícia. Era muito dinheiro, talvez a féria da semana.

Ela ficou sossegada uma semana, mas não resistiu e voltou à caçada. Havia comprado um carro usado, com placas da Capital. Tentou entrar para um clube de mulheres para se tornar respeitada, mas a presidente a despachou com toda a sinceridade do mundo: Biscate aqui não tem vez! Sua vingança começou a ser planejada nessa hora – iria para a cama com os maridos dessa mulherada do clube. Quatro meses depois, já havia dado para todos. Alguns até repassados. Tratou de espalhar suas aventuras, para desespero das madames da coluna social.

Quando completou 23 anos, Emília casou. O noivo nada sabia de sua vida. Foi no embalo, paixão à primeira vista. Um mês depois, Emília teve uma recaída e resolveu sair com um antigo dos muitos namorados. Foram fazer sexo na beira de uma represa, num gramado. Toalha de banho estendida, fizeram sexo a tarde toda. Emília resolveu se banhar na represa, mas um poço traiçoeiro a levou. Morreu afogada. Dessa vez foi o rapaz que avisou a Polícia, que recolheu o que poderia ser prova de alguma coisa. No meio de tudo, a bolsa dourada, último tipo.

Aberta a bolsa na delegacia, o mistério se desfez. Além da escova de cabelos, batom, espelho e outras quinquilharia, havia uma fotografia de bebê. Era o filho de Emília, que ela tivera aos 16 anos, resultado do estupro sofrido atrás do coreto da praça da matriz. E como ninguém sabia de nada? Alguém lembrou que Emília passou um ano fora da cidade, na casa de uma tia. O filho fora dado para adoção, mas o pouco que lhe restava de sentimento obrigou-a a guardar a fotografia do filho indesejado. Hoje perdido no mundo, sem nunca ter conhecido sua mãe de verdade. E guardado numa bolsa dourada.

Urbem
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A Editora Urbem faz parte do Grupo Novo Dia e edita livros de diversos assuntos e também a Urbem Magazine, uma revista periódica 100% digital.
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