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Jundiaí
sexta-feira, 22 novembro, 2024

O perfil da indústria jundiaiense mudou muito nos últimos anos

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Cidade já foi conhecida por fabricar o extrato de tomate mais famoso do Brasil, a máquina de costura mais vendida e o sapato que nunca acabava. Hoje a história é outra

Em termos de fábricas, a Jundiaí de 50 ou 60 anos atrás era bem diferente da Jundiaí atual. Muitas das empresas existentes na época hoje ou foram extintas, ou faliram, ou se mudaram para outras cidades e até estados. Os costumes eram outros – não havia internet, fax, celular, DDD – e a palavra era sagrada. Para se ter uma ideia, era uma época que bastava dizer que trabalhava na Argos, ou na Cereser, ou na Vulcabras, que o crédito era aberto na hora, em qualquer loja.

E lojas também vieram e se foram. Vieram Ultralar, Sears, Isnard, Ducal – todas competindo com O Rei das Roupas Feitas, loja criada por Benjamin Herman, e que vestiu gerações de jundiaienses. Mas o forte era a indústria. Como a Cereser, hoje CRS Foods, que começou a fabricar seus vinhos em 1926, quando João Cereser decidiu por isso após não conseguir parte de sua safra de uva a uma empresa, que alegou crise econômica.

Ou como a Vigorelli, que produzia máquinas de costura que eram as mais vendidas do Brasil. Fundada pelo italiano Giuseppe Franco, a fábrica funcionou no final da rua Bela Vista até 1984, quando teve sua falência decretada. Talvez a razão de seu fechamento tenha sido a escolha errada – como o mercado de máquinas de costura estava em queda devido à concorrência e ao desinteresse das famílias, que preferiam comprar roupas prontas, a Vigorelli resolveu diversificar. Fabricou barcos, cintos de segurança (numa época em que isso era enfeite) e até uma metralhadora. Deu no que deu. Na área que era ocupada pela empresa hoje está o Jundiai Shopping.

Mas há uma curiosidade sobre as empresas mais antigas – todas se concentravam em única região, Vila Arens, para ficarem perto da estação ferroviária. O próprio bairro ganhou nome devido à Oficina Arens, uma pequena metalúrgica. Na avenida Cavalcanti existiam a Indústria de Vinhos e Bebidas Caldas, a Refinadora de Açúcar Santa Maria e a Ferráspari. Todas fecharam, menos a Ferráspari, que continua firme e forte até hoje.

A maior madeireira da época foi a Filipini, que tinha dois galpões – uma na Vila Arens, onde hoje está uma agência do Banco Itaú, e outra na avenida Cavalcanti – este último foi vendido para a Igreja Universal, que lá construiu sua sede regional. Mas havia ainda a Pelliciari, dedicada à fabricação de cadeiras. Onde foi a fábrica, entre as ruas Brasil e Visconde Taunay, há um condomínio com várias torres.

Na esquina das ruas Pitangueiras e Dr. Heg havia uma fundição. E havia outra fundição, a Dal Santo, na rua Emile Pilon, depois transferida para a Agapeama, e finalmente fechada. Mas havia as gigantes, como a Cica, Argos e Vulcabras. A Cica (Companhia Industrial de Conservas Alimentícias) começou em 1941 e foi dirigida pelas famílias Messina e Bonfiglioli – havia outros acionistas, como os Guerrazzi e os Guzzo. Chegou a empregar quatro mil funcionários, e até hoje seu produto mais famoso, o extrato de tomate Elefante, está presente nos supermercados. Mas fabricava doces também, como o Marrom Glacê e o Figo Rami. A Cica, depois de vendida para outros grupos, fechou sua fábrica em 1998.

A Vulcabras foi outra que deixou saudade. Sua sede era em Jundiaí, e a empresa detinha marcas famosas, como o sapato 752, os tênis Olympicus, Mizuno e Dijean. Foi vendida para a Grendene, que fabrica a Azaléa. Um presidente da Vulcabras, Joseph Pfulg, presidiu o Paulista e sob seu comando o time voltou à principal divisão do futebol paulista. Lamentou-se muito na época o fechamento da Vulcabras, mas hoje seus galpões abrigam várias empresas, como a Fies, e empregam mais que o dobro da época do fechamento.

A Argos Industrial S/A tem uma história um pouco mais conturbada, iniciada em 1904. Até 1930, era a maior empregadora da cidade, fabricando fios e tecidos. Os vagões de trem decarregavam o algodão diretamente em seu pátio, num ramal especial para isso. Nos anos 1970, a Argos começou a produzir jeans da marca Free e a exportar parte de sua produção. Também durante anos e anos foi a fornecedora do gabardine verde-oliva para o fardamento do Exército. Sua história é conturbada por alguns motivos.

Durante muitos anos foi exemplo, e muito antes de haver obrigações sociais, a Argos já oferecia vantagens a seus funcionários. Tinha uma creche para filhos de funcionárias, consultório médico e convênios com hospitais e laboratórios. Tinha uma associação, uma espécie de cooperativa, para funcionários e ainda construiu casas para os mesmos – hoje vilas Argos Velha e Argos Nova. Nos finais de ano, promovia confraternização das famílias de funcionários e apresentava seu presépio. Nos últimos tempos de existência, acabaram-se os benefícios, o pagamento de salários deixou de existir, assim como o dos credores e fornecedores, até que em 1984 foi decretada sua falência.

Mesmo depois de falida continuou a dar problemas. Houve denúncias de retiradas ilegais de máquinas, e muitos ex-funcionários garantem que até hoje não receberam um centavo do que lhes é devido em função de direitos trabalhistas. Em 1989, a Argos foi comprada pela Prefeitura de Jundiaí, que a princípio queria instalar lá um complexo cultural, a exemplo do Sesc Pompéia. Acabou se tornando o Complexo Educacional Argos, onde funcionam a Biblioteca, a TV Educativa e a Secretaria da Educação.

Parte de suas construções foi demolida sem qualquer critério. O prédio da tecelagem, por exemplo, era a reprodução de uma fábrica de Manchester, na Inglaterra – veio abaixo a marretadas, quando poderia ter sido preservado. Da Argos só restaram lembranças e a chaminé, construída por um pedreiro italiano que mal sabia ler. Mas a chaminé não cai tão facilmente.

Havia outras indústrias têxteis na cidade, como a São Jorge (onde hoje está o Extra Centro), a Milani (o prédio é hoje ocupado pela Receita Federal, na Vila Arens) e a São Bento, também na Vila Arens. A São Bento tinha prestígio político – quando inaugurou um galpão, nos anos 1970, contou com a presença do então ministro do Planejamento, João Paulo dos Reis Veloso.

Jundiaí também foi sede da Companhia Paulista de Estradas de Ferro, e suas oficinas empregaram e formaram muita gente. Com o sucateamento das estradas de ferro, o governo estadual reuniu todas numa só, a Fepasa (Ferrovias Paulistas SA). O seu prédio foi comprado pela Prefeitura de Jundiaí, e transformado no Complexo Fepasa, onde estão o Museu Ferroviário, o Poupatempo e a Fatec. E muitas máquinas apodrecendo nos poucos trilhos que restaram, apesar das promessas de restauração. O museu original também teve muita coisa desaparecida, talvez obras de espíritos que assombram suas instalações.

Outra gigante foi a Duratex, que fabricava chapas e empregava muita gente. De uma hora para outra foi desativadas, os empregados dispensados, e o maquinário desmontado. O prédio foi demolido, e em seu lugar há a construção de prédios residenciais. Outras indústrias deixaram de existir, como a Pozzani, a Andrade Latorre (transferida para o Paraná), a Kanebo, a Fantex, a AEG Telefunken, a Máquinas Cerâmicas Morando, a Filobel…


Comércio também mudou

Se a indústria mudou, o comércio acompanhou. Os costumes e práticas também mudaram. Para comprar sapatos Vulcabras, por exemplo, só havia uma loja, A Vencedora, da família Zalaf, que ficava na rua São José. A Ultralar dominava o comércio de eletrodomésticos (era uma espécie de Casas Bahia da época). E quando se comprava um fogão, havia a obrigatoriedade de se comprar a cota do gás – dois botijões com gás da Ultragás. Outros fornecedores não podiam, se bem que eram poucos.

A Paulicéa foi outra que marcou época. Começou como panificadora, passou a servir lanches e se tornou ponto de encontro. Nos anos 1970, era a que recebia os jovens jundiaienses nas noites de sábado e domingo – todo mundo trabalhava no sábado até o meio dia, então não havia a sexta-feira. Tornou-se tão conhecida que não havia personalidade que visitasse Jundiaí e lá não parasse para tomar um cafezinho. Para diluir a concentração de jovens havia ainda a Lanches Brasília e o Dadá, e durante algum tempo, o Ki Chá, e depois, o Kibe Kadi.

A Ducal, que tinha Pelé como garoto propaganda, ficava na Praça Ruy Barbosa, onde hoje é a Esquina do Lanche. A Isnard funcionou algum tempo na rua Barão, assim como O Rei das Roupas Feitas – no prédio onde era o Rei funcionou uma agência da Caixa, e hoje há uma loja das Casas Bahia. Ainda na rua Barão, havia a Casa Coimbra, cujo estoque de mercadorias (parafusos, porcas, arruelas e ferragens) só o dono entendia. Mas podia pedir que tinha o que procurava.

Agências de automóveis tinham território de vendas. Se um cliente morava na Vila Arens, por exemplo, não podia comprar carro na Jundiauto, que ficava no final da rua Barão do Tefé. Ambas eram concessionárias Volkswagen, e cliente de VW precisava comprar na Liberato. E vice-versa. E Jundiaí chegou a ter três agências VW – além da Liberato e Jundiauto, havia também a Cobauto, na Praça das Bandeiras, onde depois funcionou uma revenda de telhas de amianto (quando podia), um depósito de calçados e hoje há uma loja de móveis e decorações.

Dos restaurantes, o mais famoso era o Haiti, na rua do Rosário – o único que aceitava cartão Dinners. Todos os clientes eram recebidos na porta pelo proprietário, Piero Schiavi. O Passarin tinha um bom serviço, e lá aconteciam festas e a feijoada dos sábados. O Spiandorello é praticamente o mesmo de décadas passadas, com algumas ampliações. Continua firme até hoje, sempre lotado. Na Vila Arens, em frente à igreja, o português Antonio José de Souza Fernandes tocava o Recanto Portugal, que também acabou se mudando para o Vianelo, e depois fechando com a morte do proprietário.

Festança mesmo acontecia nos salões da San Remo, que começou nos baixos do viaduto da avenida Jundiaí, na Nove de Julho, e acabou se transferindo para a rua Marechal. Seu dono, Luiz Panzonatto, é quem dava o tom da casa, colocando músicas mais animadas para encher a pista e românticas para o pessoal descansar do sacolejo. Luiz acabou vendendo a San Remo, que acabou fechada pelo novo dono, e montou o Rei da Noite, primeiramente na antiga fábrica São Bento, e depois na avenida São Paulo. Com sua morte, o negócio é tocado pelos filhos, mas agora está parado devido à pandemia. E assim, a vida continua.

Urbem
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