O crescimento do número de jovens em casos mais graves foi comentado por Jean Gorinchteyn, secretário de saúde do estado de SP, durante coletiva de imprensa.
Matheus Alves de Lima é médico e trabalha na linha de frente do covid-19 em UTIs de dois hospitais no Distrito Federal; em meio ao colapso no sistema de saúde relata casos chocantes em seu recente plantão. “Tivemos a morte de um paciente de apenas 25 anos, o que é muito chocante”, explica.
“E outro paciente, de 28 anos, não resistiu a ser extubado (processo de retirada da ventilação mecânica), precisou ser intubado novamente e fazer hemodiálise. Se não fosse a covid-19, ele provavelmente jamais precisaria fazer hemodiálise nessa idade. Nos dois últimos meses, temos visto cada vez mais pacientes entre 25 e 40 anos, o que assusta – são pacientes da minha idade. São jovens e já chegam graves, depois de ficar esperando por vagas (de UTI) em emergências lotadas. A gente intuba, intuba, e não acaba. Eles chegam precisando de diálise de urgência, às vezes em choque. Tudo isso piora muito seu prognóstico. Às vezes, chegam à UTI só para falecer.” disse.
O crescimento do número de jovens em casos mais graves foi comentado por Jean Gorinchteyn, secretário de saúde do estado de SP, durante coletiva de imprensa . “São pacientes mais jovens, que têm a sua condição clínica muito mais comprometida e, pior, são pacientes que acabam permanecendo um período mais prolongado nas UTIs. Na primeira onda, tínhamos (nas UTIs paulistas) percentual de mais de 80% de idosos e portadores de doenças crônicas. O que temos visto hoje são pacientes mais jovens, 60% deles de 30 a 50 anos, muitos dos quais sem qualquer doença prévia.”
Apesar de ter organismos mais fortes, os jovens resistem melhor aos procedimentos feitos nas UTIs, no entanto acabam ocupando leitos por muito mais tempo. Ainda segundo o secretário de saúde a média de internação passou de 7 a 10 dias para 14 a 17 dias.
‘São as pessoas que se sentem à vontade para sair porque acham que (se pegarem covid-19) só vão perder paladar e olfato, e acabam perdendo a vida’
“Outro aspecto é a gravidade com que eles chegam. Sua oxigenação baixa sem que o indivíduo sinta (se não medir com um oxímero) e, quando ele chega ao hospital, vê-se o quanto sua saturação (de oxigênio no sangue) está baixa e o quanto ele tem comprometimento de pulmão.”
Marcio Sommer Bittencourt, mestre em saúde pública e integrante do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiológica do Hospital Universitário da USP, em São Paulo e explicou que embora os pacientes são mais jovens e com quadros graves, a situação não é plenamente entendida, já que o Brasil não dispõe de dados consolidados sobre casos e internações de covid-19 por faixa etária.
O mestre em saúde pública listou diversas causas que, somadas,provavelmente compõem o retrato atual: A primeira é a mencionada por Gorinchteyn: como as populações mais novas – desde jovens adultos até 59 anos – resistem por mais tempo na UTI, a tendência é que aumente a ocupação de leitos por elas; e a segunda é o fato de a infecção por covid-19 ter aumentado exponencialmente em todo o país nos últimos meses – o que levaria, portanto, a mais infecções entre mais jovens.
“Além disso, os mais jovens são mais economicamente ativos do que os idosos, então saem mais para trabalhar. Isso já acontecia antes (da segunda onda), mas agora (o efeito disso) é mais perceptível.” disse. “O que se sabe com certeza é que as novas cepas em circulação aumentaram o número total de internações e de casos mais graves em geral.”
‘Certamente não é só uma doença de idosos’
“Certamente não é só uma doença de idosos. Desde o início incomodava essa ideia (difundida) de que seria uma doença que afetaria idosos e debilitados. Minha opinião é de que isso foi combustível para vários erros e deixou os jovens saudáveis menos cuidadosos.” afirmou o médico Edino Parolo, que atende em UTIs de dois hospitais (um público e um privado) em Porto Alegre (RS).
A avalanche de agravamento de casos começa a se formar ainda no pronto-socorro, porta de entrada dos pacientes com covid-19
“Estou abismado com a quantidade de casos graves. No último sábado, tínhamos 30 pacientes de covid-19 na emergência. Antes da segunda onda, ter 15 pacientes era (equivalente a) um plantão ruim. E hoje (terça-feira, 23/3) soube que há 48 pacientes ali”, diz Lucas Barroti, médico que atende em pronto-socorro de hospital público na cidade de São Paulo.
“Não tem mais nem espaço físico. Alguns pacientes chegam a ficar três dias na emergência (aguardando transferência), e ali vão piorando: primeiro usam cateter nasal, depois máscara respiratória, depois precisam de intubação. Dá a impressão de que a progressão (piora) é mais rápida do que antes.” disse o médico, que tem se deparado com pacientes mais jovens em estado grave. “A maioria já não é de idosos. Tem na faixa etária de 40, 50 anos – uma parcela deles sem comorbidades, e mesmo assim em estado tão grave quanto (se tivessem).”