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quinta-feira, 18 abril, 2024

A vingança de Marcão

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Marcão ganhou esse apelido por motivos óbvios – 1,85 de altura, 90 quilos e forte como um touro. Somente quando criancinha era chamado de Marquinho. Mas isso aconteceu há muitos anos. Agora, com 21 anos e recém saído do quartel, procurava emprego. E estava difícil. Nem no atacadista de batatas conseguiu um lugar para carregar e descarregar as sacas de caminhões.

Sem dinheiro, com a namorada – chamava-se Célia – cobrando uma atitude, Marcão resolveu que o jeito era se encostar numa velhota carente. Numa cidade pertinho da sua conheceu Irene. Viúva, beirando os 50 anos, sem filhos, dona de diversas casas de aluguel, embolsando a pensão do falecido todos os meses, e um carrão, que ela não sabia dirigir. Foi o que Marcão precisava. Começou como motorista de Irene, e aos poucos foi para sua cama. Era sacrifício enfrentar a velhota, mas Marcão pensava no dinheiro que isso lhe proporcionava.

Para a família e para a namorada, disse que trabalhava como motorista, o que não deixava de ser verdade. Mas muitas noites precisava ficar de plantão porque, dizia ele, a velhota era asmática e quando sentia que ia ter crise, segurava Marcão para as emergências. As crises eram outras, se bem que os gemidos eram mesmo de uma asmática. Até que um dia a namorada desconfiou da história. Camisa nova toda semana, sapato novo, calça nova, dinheiro no bolso. Aí tem coisa, pensou ela. E não deu outra.

Descoberto seu trabalho de consolador de viúva, o namoro terminou. Marcão se dedicou mais ainda ao seu emprego. Nem esperava Irene pedir pra ficar. Acabou se mudando e morando com ela. E quase todas as noites ia pro sacrifício.

Num dia, descobriu que em sua cidade todo mundo já sabia da história – a ex-namorada havia espalhado e colocado um pouco mais de pimenta. Passou a ser comentado e ganhou até outro apelido: Pica Doce. Não ligou e tocou a vida. A ex-namorada, Célia, acabou encontrando outro e engatou novo namoro firme. Um ano depois, exibia sua aliança de noivado. Às amigas, contava não ter se arrependido, embora o noivo não fosse tão bonito e fortão como Marcão. Acabou casando, e meses depois, num acidente de carro, ficou viúva.
Viúva e pobre. Continuou trabalhando como balconista na farmácia, consolada pelas amigas e pelo patrão, interessadíssimo em comê-la. Mas ele era casado e sua mulher uma cobra. Quatro anos depois, Irene, a velhota viúva que vivia com Marcão, morreu. Marcão pensou em saquear a casa logo depois do enterro, mas nem foi preciso. Enterrada a velha, o dono do cartório chamou Marcão num canto do cemitério e lhe contou: Logo depois que você foi morar com ela, dona Irene fez um testamento no cartório, e agora tudo é seu; passa lá na semana que vem que a gente resolve.

De hora para outra Marcão estava rico. Dinheiro da poupança no Banco do Brasil, as oito casas de aluguel mais a que ele morava, um Ford Galaxie na garagem, jóias, mobília colonial – vida de rei, sem precisar trabalhar. E isso chegou aos ouvidos do povo de sua cidade, inclusive da ex-namorada e agora viúva Célia. Aconselhada e instigada por amigas, resolveu se reaproximar de Marcão.

O reencontro se deu numa quermesse ao lado da igreja da cidade de Célia. Marcão, sem ter coisa melhor pra fazer, estava lá. Algumas amigas em comum trataram de fazer a ponte entre os dois. Amigos também. Mas ele recusou. Todos queriam saber o porquê. Afinal, diziam, Célia ainda estava bonita e gostosa. Mas ele dizia não.

Foram tão insistentes as perguntas que uma hora, já de saco cheio e antevendo sua vingança, explicou: Não como mulher que não lava a bunda. A partir desse dia, Célia deixou de ser a Célia balconista. Na cidade, ela ficou sendo a Célia do Rabo Sujo.

CHICO MALVADEZA

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