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sexta-feira, 19 abril, 2024

Don Juan perderia feio

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A cidade era de porte médio, não passava dos 150 mil habitantes. Tinha jornais, estações de rádio, alguns puteiros disfarçados e as figurinhas carimbadas, conhecidas de todos. Uma dessas figurinhas era um sujeito conhecido como poeta. Medíocre, mas poeta. Fazia versos sem pé nem cabeça, e fazia questão de mostrá-los a ouvintes incautos de suas conversas.

Vez ou outra, um jornal publicava uma de suas poesias. Espaço patrocinado, bem entendido.

E esse sujeito costumava se vangloriar de suas conquistas sexuais nas rodas. Quando havia uma rodinha de conhecidos. Seu apelido era peido – bastava ele chegar para a roda se desmanchar. Nessas rodas, fosse o assunto que fosse, Peido levava a conversa para o lado do sexo. Não havia dia que ele não comentasse: conheci uma dentista… conheci uma engenheira… conheci uma médica… E todas, segundo ele, acabavam numa cama. Alguns questionavam onde o Peido arrumava tempo para tantas conquistas – afinal, ele mesmo contava, frequentava uma academia de ginástica, praticava karatê, jogava futebol, fazia escola de dança e ainda por cima tinha de trabalhar.

Questionavam também seu gosto refinado por mulheres. Médicas, dentistas, engenheiras, decoradoras… nunca era uma empregada doméstica, uma diarista, uma balconista de lojas.

De tanto ele falar, os conhecidos começaram a desconfiar. Desconfiar e provocar. Provocavam com conversas do tipo “conheci fulana, em tal bairro”. A resposta do Peido era sempre a mesma: essa eu já comi. “Conheci sicrana em tal lugar”. Essa também já comi.

De Peido, passou a ser conhecido como Jacomi. Não havia mulher que fosse citada nessas rodas que ele não houvesse comido. Uma delas, que já havia dado para metade da cidade, entregou o ouro para um dos conhecidos do Jacomi – ele tinge o cabelo, será que é viado? E esse conhecido tratou de esparramar a história para os demais. Alguns até acrescentaram outra viadagem – ele tinge a barba também. Outros mais maldosos – tinge também os pelos do saco.

E certo dia, o gerente de uma loja de tecidos, conheceu os conhecidos do Jacomi e se enturmou. Passou a tomar chopp nos finais da tarde com os novos amigos, discutir futebol, até que soube da história do Jacomi. À noite, em casa, teve uma idéia. Como ele tinha uma funcionária biscatosa, mas que vendia bem, contou o plano para três dos novos amigos.

No dia seguinte, chamou a funcionária e fez a proposta: você vai sair com fulano e depois vai contar pra gente como foi. Tim-tim por tim-tim. Ela topou. Para atrair Jacomi, pediu que fizessem a história chegar até ele – sua loja estava interessada em patrocinar um livro de poesias, e ele precisava falar com esse poeta. A história chegou até Jacomi, e três dias depois ele se apresentou ao gerente. A conversa fluiu, e Jacomi ficou animado. E aquela funcionária biscatosa se aproximou e ficou “encantada” com uma poesia recitada ali mesmo, perto do caixa. Elogiou o cara e deixou bem claro que estava disponível.

Alguns dias depois Jacomi voltou à loja com mais poesias – todas horríveis – e biscatosa pediu para que recitasse algumas. Ele não se fez de rogado, e terminou a última passando uma cantada na mocinha de vida torta, que aceitou de primeira. Combinaram de sair na noite seguinte. Ela o esperaria no ponto de ônibus da rua de baixo. Na hora marcada lá estava o poeta e lá estava a biscate.

No dia seguinte, como o prometido, ela fez seu relatório ao gerente e aos três amigos do gerente. Primeiro, disse ela, ela fede. Segundo, ele queria dar uma dentro do carro, um fusca que tinha até luz negra no teto. Ela se fez de difícil, e pararam numa lanchonete. Ela pediu uma cerveja, ele um suco de laranja. De lá foram para um motel fuleiro, dos mais baratos. Lá ficaram por pouco mais de 40 minutos, e não fosse sua teimosia, precisaria dividir a conta.

E na cama?, perguntou o gerente. Uma bosta, ela respondeu. Sem preliminares, foi logo tirando a roupa, mandando que ela também tirasse e botou pra dentro. Parecia um coelhinho, disse ela. Mulher que sair com ele não tem segunda vez. E nem banho tomou.

Esclarecida a história, logo esparrada para todas as rodas, Jacomi ganhou um adjetivo ao seu já horroroso apelido. Passou a ser conhecido como Jacomi, o Coelho. Tempos depois, desapareceu. Alguns dizem que ele se tornou evangélico, crente. Outros, que mudou de cidade. Em todo caso, se ficou evangélico, foi uma excelente chance de pedir perdão aos céus pelas mentiras contadas sobre as dentistas, médicas, engenheiras…

CHICO MALVADEZA

Urbem
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A Editora Urbem faz parte do Grupo Novo Dia e edita livros de diversos assuntos e também a Urbem Magazine, uma revista periódica 100% digital.
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