De uma hora para outra, não podia mais nada. Há seis meses, quando o governo do Estado decretou a quarentena, muita gente precisou fechar seu negócio. Alguns não aguentaram o baque e resolveram parar de vez. Lojas não podiam mais abrir e atendimento, mesmo nos chamados serviços essenciais, passou a ser feito com restrições. E muitos sobreviveram. Seis meses depois do fatídico dia 23 de março, eles acreditam que a situação vai melhorar, e por ora são os sobreviventes.
É o caso de Ana Cláudia Pântano Dias Ferreira e Juliana Toffollo, sócias no restaurante Tempero Fresco, no Parque da Represa, em Jundiaí. O restaurante existe há cinco anos, e serve somente almoço. Nas três primeiras semanas de quarentena o movimento caiu muito, quando passaram a servir somente marmitex. “O que segurou nosso negócio foi uma reserva que tínhamos, e com ela pagamos funcionários e fornecedores”, diz Juliana.
“Ficamos três meses sem tirar um centavo a título de pró-labore”, emenda Ana Cláudia. Mas as duas resolveram enfrentar os problemas. Não reduziram jornada de trabalho nem dispensaram funcionários. “Fomos para o iFood, diz Ana Cláudia. Ajudou, mas o iFood não representa nem 5% do faturamento”. Para manter a clientela, passaram a enviar o cardápio por WhatsApp, e as entregas foram feitas com seus carros particulares.
“É mais trabalhoso, precisa vender mais, diz Juliana. Mas aos poucos o pessoal (clientes) está voltando. Hoje fornecemos uma média de 120 refeições por dia, de segunda a sábado. Atendemos duas empresas, mas no sábado não tem empresa”. A queixa das sócias é o aumento de preços, e por isso buscaram alternativas de fornecedores. “A carne sobe quase todos os dias, e nem por isso aumentamos o preço das marmitas”, diz Juliana.
Quem precisou de adaptar também foi a loja Móveis São Jorge, que existe em Jundiaí há 60 anos. No dia 23 de março a loja precisou ser fechada, e assim ficou durante 15 dias. “Então passamos a vender por WhatsApp e com horário marcado, explica Gislaine Garone, da administração da loja. Deixamos de vender muito, mas nenhum dos funcionários foi dispensado, e não tivemos problemas de entregar o que foi vendido”.
E agora, com o comércio voltando à quase normalidade, as queixas são outras. “O fornecedor não está normalizado – explica Gislaine – há atrasos de entrega e cancelamento de pedidos. Está faltando matéria prima, como espuma, tecido e até parafusos”.
A mesma queixa – falta de matéria prima – é de Norivaldo Carrere e seu sócio José Della Libera. Eles têm uma tapeçaria no Jardim Danúbio, dedicada à reforma de estofados. No ramo há 50 anos, Norivaldo diz que é a primeira vez que passa por uma situação como atual. “Ficamos com a oficina fechada durante um mês, e as contas não pararam de vencer. Começamos devagar retomar o trabalho, mas o cliente também desapareceu”, conta Norivaldo.
O movimento não é o de antes, está fraco. Para ajudar, eles prestam serviços a outras tapeçarias também. E a queixa é a falta de matéria prima. “Agora tem cliente, mas não tem matéria prima. Estão faltando ferragens, tecido e espuma. As indústrias pararam, e agora o pouco que produzem é comprado pelas grandes empresas”, explica José. A outra queixa também é comum: os preços foram às alturas. “Hoje o que temos é muito orçamento e pouca confirmação de serviço, e o preço influi muito”, afirma Norivaldo.
E até quem não precisou fechar durante a quarentena tem lá suas queixas. É o caso do Posto Telles, da rede Keeper, na Marginal do Rio Jundiaí, na Vila Rio Branco. “Como o pessoal precisou ficar em casa, caiu muito o consumo de combustíveis, explica Sérgio Luiz de Jesus, sub-gerente do posto. Ele diz que o movimento está melhorando, mas não voltou aos níveis anteriores a 23 de março.
No posto, o setor que mais sentiu a queda foi a loja de conveniência, mesmo agora, com o consumo e frequência com restrições. Para ele, a normalização ainda vai demorar. Cita como exemplo o filho de 9 anos, desde março sem aulas: “Infelizmente a rede precisou fazer alguns cortes de pessoal, mas o que preocupa é quando as aulas vão voltar a ser normais”.
Problemas do comércio continuarão no pós-pandemia
Marcel Solimeo, economista da ACSP, vê um longo caminho antes de o setor recuperar o nível de antes da crise. Os problemas de emprego e renda dificultam a retomada do consumo
Enquanto as cidades brasileiras organizam suas quarentenas e enfrentam isolamentos, os indicadores econômicos mostram o longo caminho a ser percorrido rumo a recuperação. O ano de 2020 ficou marcado pela intensa saída de capital estrangeiro da Bolsa de Valores de São Paulo, que atraiu muitos investidores em 2019 devido à queda na rentabilidade de aplicações conservadoras.
O fluxo cambial total do ano até 31 de julho foi negativo em US$ 15,8 bilhões, de acordo com o Banco Central. Na opinião de Marcel Solimeo, economista da Associação Comercial de São Paulo (ACSP), as incertezas no mercado em função da pandemia do novo coronavírus e o aumento da desconfiança em relação ao governo estão entre as principais razões deste movimento.
Somado a isso, Solimeo cita também o tombo recorde de 12,3% da indústria, a elevada desigualdade social no país, a queda do Produto Interno Bruto (PIB), o desemprego, a alta no fechamento de empresas e a perda acumulada de R$ 279 bilhões no varejo desde o início da pandemia para justificar a ideia de que “o comércio seguirá tendo dificuldades no pós-pandemia”.
Dados do Ministério da Economia mostram que mais de 351 mil empresas no país foram fechadas no primeiro quadrimestre de 2020. O economista também destaca setores que apresentam quedas importantes nas vendas, como é o caso dos eletrodomésticos, produtos de beleza, roupas, calçados e acessórios.
Por outro lado, a safra recorde de grãos e o aumento nas exportações fez do agronegócio brasileiro o setor essencial para segurar a atividade econômica, enquanto o restante da economia sofria nos últimos meses. Com números de vendas que superaram datas importantes, como Natal e Black Friday, o e-commerce passou a representar 12% das vendas do varejo.
Traçando possíveis cenários futuros, Solimeo diz que entretenimento (cinema, teatro e eventos), alimentação fora do lar e turismo (hotéis e viagens) são os segmentos que mais sofrem no momento e também os que devem ter a recuperação mais lenta.
A aposto do economista é que o comércio eletrônico ainda manterá índices elevados com maior volume de empresas investindo neste canal. Do ponto de vista econômico, Solimeo acredita numa retomada lenta, um consumidor mais endividado com a confiança ainda em patamares mais baixos, embora venha crescendo gradualmente. “O varejo desempregou muito e não vai reempregar na mesma proporção. E muitos empregos serão substituídos pela economia digital”, diz.
Cada vez mais intermediado por tecnologias, o consumo não decolará rapidamente. Mesmo com o afrouxamento das restrições, as pessoas têm medo de retornar à rua ou simplesmente não têm dinheiro para isso. Nas palavras do economista, o emprego qualificado terá ganhos, mas quem depende da criação de vagas com pouca qualificação sairá prejudicado, já que muitos avanços tecnológicos são poupadores de mão de obra intermediária nesta nova economia pós-pandemia.
O home office, outra tendência intensificada pela pandemia, que exerce forte influência sobre o consumo, deve ser estendida até o fim do isolamento social, mas não acabará com o trabalho presencial. Na opinião do economista, mesmo as empresas que migrarem para o formato a distância terão escalonamentos presenciais, à medida que a crise sanitária melhore retomando uma rotina similar ao padrão anterior.
No sistema bancário, Solimeo diz que a pandemia acelerou a procura pelos serviços digitais, beneficiando as fintechs, empresas simples de crédito e instituições financeiras antenadas com a transformação digital. Neste sentido, projetos como PIX, sistema de pagamentos instantâneos, ganham relevância. “Vamos gastar dois anos para recuperar nossa economia. Estamos na transição entre um futuro que não chegou e um passado que não acabou”.
Impactos sociais, econômicos, culturais e políticos da pandemia
A pandemia de Covid-19 vem produzindo repercussões não apenas de ordem biomédica e epidemiológica em escala global, mas também repercussões e impactos sociais, econômicos, políticos, culturais e históricos sem precedentes na história recente das epidemias, segundo estudo da Fiocruz.
A estimativa de infectados e mortos concorre diretamente com o impacto sobre os sistemas de saúde, com a exposição de populações e grupos vulneráveis, a sustentação econômica do sistema financeiro e da população, a saúde mental das pessoas em tempos de confinamento e temor pelo risco de adoecimento e morte, acesso a bens essenciais como alimentação, medicamentos, transporte, entre outros.
Além disso, a necessidade de ações para contenção da mobilidade social como isolamento e quarentena, bem como a velocidade e urgência de testagem de medicamentos e vacinas evidenciam implicações éticas e de direitos humanos que merecem análise crítica e prudência.
Partindo-se da perspectiva teórica de que as enfermidades são fenômenos a um só tempo biológicos e sociais, construídos historicamente mediante complexos processos de negociação, disputas e produção de consensos, objetivo das atividades deste eixo envolve compreender e responder parcialmente aos desafios colocados pela pandemia, organizando uma rede de pesquisadores do campo das ciências sociais e humanidades visando a investigação, resposta e capacitação como estratégias para o enfrentamento do Covid-19 no Brasil.
Este eixo do Observatório Covid-19 possui três subeixos, que abordam temas centrais para o entendimento dos impactos sociais, econômicos, culturais e políticos da pandemia: Covid nas favelas, Saúde indígena e Ética e bioética.