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Jundiaí
sexta-feira, 22 novembro, 2024

Os trens mudaram nossas cidades

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Quem nasceu há menos de 50 anos não faz idéia da importância das ferrovias na região de Jundiaí. Onde hoje estão as avenidas dos Ferroviários e Luiz Latorre, por exemplo, estavam os trilhos da Estrada de Ferro Sorocabana; as passagens da Companhia Paulista de Estradas de Ferro eram numeradas na primeira classe; nos vagões havia serviço de lanches e bebidas; os trens de longo percurso tinham vagões restaurante e dormitório; a correspondência dos Correios (na época EBCT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos) era levada no vagão postal, o primeiro após a locomotiva. E o termo “lanterninha”, dado ao último colocado em alguma competição, se deve à pequena lanterna que o último vagão de uma composição ostentava.

Hoje os trens são um arremedo do que foram no passado. Raramente cumprem horários, vivem lotados e não faltam reclamações sobre assédio às mulheres e consumo de drogas – casos da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos. A ingerência política nas ferrovias foi o primeiro motivo de sua decadência; o segundo foi a prioridade que os governos deram, a partir de 1960, ao transporte rodoviário, para atrair as indústrias automobilísticas ao país. Aos poucos, as ferrovias apodreceram, literalmente. Locomotivas e vagões foram abandonados, assim como as estações ferroviárias – basta ver o estado em que se encontra a de Jundiaí. E os trens, outrora um transporte pontual, seguro e econômico, voltaram-se ao transporte de cargas.

Jundiaí teve um trem, que pode ser chamado de “metrô” da época. Era da Companhia Jundiaiana de Ferro Carril, e funcionou de 1893 a 1896. Puxado por mulas, o trem percorria única linha ligando o Centro à estação ferroviária da Vila Arens, passando pela Ponte Torta para transpor o Rio Guapeva. Estava mais para um bonde do que para um trem, mas corria sobre trilhos. Jundiaí também esteve no pioneirismo da primeira estrada de ferro paulista, quando os ingleses inauguraram a São Paulo Railway em 1867, ligando Jundiaí ao Porto de Santos, passando por São Paulo. E cinco anos depois (1872) a cidade foi o ponto de partida – ou de chegada – para o Interior, com a fundação da Companhia Paulista de Estradas de Ferro.

Outros ramais foram surgindo no passar dos anos, e Jundiaí se tornou um centro ferroviário, principalmente depois que a Paulista transferiu sua sede de Campinas para a cidade, devido a um surto de febre. Escritórios e oficinas passaram a ter base em Jundiaí, onde hoje está o Complexo Fepasa. Por causa dessa ferrovia, nasceram clubes sociais e um clube esportivo que já teve projeção internacional ao disputar a Copa Libertadores da América em 2006, o Paulista Futebol Clube. Todas as cidades que tiveram estacões ferroviárias tiveram seu desenvolvimento acelerado, seja com a industrialização, com o comércio ou com a saída de seus produtos agrícolas para outras regiões.

O desprezo pelo passado das ferrovias é grande. No Complexo Fepasa podem ser vistas locomotivas enferrujadas, abandonadas no tempo, com promessas de restauração que nunca foram cumpridas. Na avenida dos Ferroviários, em seu canteiro central, há uma locomotiva, homenageando ou envergonhando os antigos ferroviários – vive pichada, praticamente abandonada. Bem diferente dos tempos em que trabalhadores e estudantes compravam a caderneta quilométrica para viajar à Capital ou cidades próximas – pagava-se antecipadamente por determinado número de quilômetros, com enorme desconto. E à medida em que se viajava, os quilômetros eram descontados.

Tempos em que havia duas classes – 1ª e 2ª – cujas diferenças estavam nos bancos e nos banheiros. Na primeira classe, bancos estofados, confortáveis e numerados; na segunda, bancos de madeira. Trens de longo percurso, que normalmente corriam à noite para o Interior, a partir da Estação da Luz (São Paulo), tinham restaurantes e dormitórios. Os funcionários da ferrovia eram uniformizados – e uniforme era motivo de orgulho. Chefe de estação, um cargo importante, tinha quepe vermelho. Tudo isso passou, e nem as memórias ficaram, a não ser em livros de história e moradores mais antigos da região. Uma delas eternizada em filme baseado em romance de Agatha Christie, o Expresso Oriente. Num momento em que discute mobilidade urbana, nada melhor que relembrar a importância das ferrovias em nossas cidades.

Primeira tentativa de ferrovia foi em 1835

Em 1835, o então regente Diogo Antonio Feijó (D. Pedro II era menor de idade) promulgou uma lei dando favores para quem quisesse construir uma estrada de ferro ligando o Rio de Janeiro – então capital do Império – às capitais das províncias de Minas Gerais, São Paulo, Rio Grande do Sul e Bahia. Ninguém se interessou.

No ano seguinte, a Província de São Paulo apresentou um plano de viação, que dava o direito de construir e explorar uma ferrovia ligando suas principais cidades, que eram Sorocaba, Santos e Curitiba, que na época pertencia a São Paulo. Nada feito – ninguém se interessou. Em 1840, o médico inglês Thomas Cockrane conseguiu concessão para construir e explorar uma linha ferroviária ligando Rio de Janeiro a São Paulo. Os amigos do médico, investidores ingleses, consideraram a iniciativa muito arriscada e não lhe deram dinheiro.

A primeira ferrovia brasileira só apareceu em 1854, quando Irineu Evangelista de Souza (depois Barão de Mauá) construiu por sua conta e risco uma ligação ferroviária entre o Porto de Mauá (na Baía da Guanabara) e a Raiz da Serra, depois rebatizada de Petrópolis. Tinha 14,5 quilômetros, com bitola de 1,63m (distância entre trilhos). A primeira viagem levou 23 minutos, em velocidade média de 38 quilômetros por hora. Depois de Mauá, surgiram outras ferrovias, todas com bitola de 1,60m.

Em fevereiro de 1858 foi inaugurada a ferrovia Recite-São Francisco, que mesmo não chegando ao rio ao qual se destinava, ajudou a desenvolver as cidades por onde pasava. Foi o primeiro tronco da futura Great Western Railway. Antes, em 1855, hava sido organizada a Companhia Estrada de Ferro Dom Pedro II, pelo mesmo Barão de Mauá, para ligar o Rio de Janeiro a São Paulo – em 1889 a ferrovia deu origem à Estrada de Ferro Central do Brasil. A estrada foi inaugurada em março de 1858, ligando a Estação da Corte a Queimados, no Rio. Tinha 47 quilômetros, mas foi uma das mais importantes no quesito de engenharia – 412 metros eram a diferença entre o nível do mar, onde começava, até Queimados. Foram construídos pontes, aterros e o maior túnel da época, o Grande, com 2.236 metros de extensão. A ligação Rio-São Paulo se deu em julho de 1877, quando foram unidos os trilhos da Estrada de Ferro São Paulo e da Estrada de Ferro D. Pedro II.

Rumo ao Porto de Santos, sem escalas

No século 19, o Brasil tinha dois produtos para exportar – cana-de-açúcar e café. O algodão ficava em segundo plano. Investidores ingleses criaram então a São Paulo Railway (SPR), ligando Jundiaí ao Porto de Santos, passando pela Capital. A idéia era do mesmo Barão de Mauá, que convenceu os ingleses a abraçarem a idéia. Isso em 1859. Mas havia um problema considerado insolúvel – os 800 metros de diferença entre as altitudes do porto e o Planalto Paulista, além dos oito quilômetros do trecho da Serra do Mar.

O barão foi atrás de quem era considerado maior especialista na época, o engenheiro ferroviário inglês James Brunlees. James veio ao Brasil, analisou o projeto e disse que era viável. Para executar o projeto, foi convidado Daniel Makinson Fox, engenheiro que tinha experiência na construção de estradas de ferro através das montanhas do norte do País de Gales e das encostas dos Pireneus. Fox propôs que a rota para a escalada da serra deveria ser dividida em 4 declives, tendo cada um a inclinação de 8%. Nesses trechos, os vagões seriam puxados por cabos de aço. No final de cada declive, seria construída uma extensão de linha de 75 metros de comprimento, chamada de patamar, com uma inclinação de 1,3%. Em cada um desses patamares, deveria ser montada uma casa de força e uma máquina a vapor para a tração dos cabos. A proposta foi aprovada por Brunless e a nova empresa para a construção da Funicular de Paranapiacaba foi criada: a São Paulo Railway Company.

A estrada foi aberta sem ajuda de explosivos, pois o terreno era instável. A escavação das rochas foi feita apenas com cunhas e pregos. Alguns cortes chegaram a 20 metros de profundidade. Para proteger o leito dos trilhos das chuvas foram construídos paredões de alvenaria, variando de 5 a 20 metros de altura, o que consumiu 230.000 metros cúbicos de alvenaria. Apesar das dificuldades, a construção terminou 10 meses antes do tempo previsto no contrato, que era de oito anos. A São Paulo Railway foi aberta ao tráfego em fevereiro de 1867. O grande volume de café transportado para o Porto de Santos fez com que em 1895 se iniciasse a construção de um novo trecho para transposição da serra, paralelo ao antigo. Este trecho passou a ser conhecido como Serra Nova”, em contraposição ao pioneiro, denominado Serra Velha.

Para a nova estrada foi usado o sistema endless rope, ou corda sem-fim, com o percurso dividido em cinco seções – em cada uma havia máquinas de mil HPs instaladas em posições subterrâneas, embora essas máquinas não ultrapassassem a potência de 951  HP. Para cada composição que subia havia outra composição de peso próximo ou equivalente, de modo a contrabalançar as forças de subida e descida e desa maneira, permitir às máquinas fixas um esforço mínimo. Em 1889 foram feitos os primeiros protestos contra o monopólio inglês sobre a rota do porto, que seria mantido até 1935, quando a Estrada de Ferro Sorocabana construiu uma Linha própria entre Mairinque e Santos.

Em 1946 a SPR foi encampada pelo governo federal em virtude do fim da concessão dada aos ingleses,  tornando-se uma estatal. Em 1948 o nome da companhia foi alterado para Estrada de Ferro Santos a Jundiaí, ainda o mais conhecido nos dias de hoje. Em 1957 a Santos a Jundiaí foi incorporada e passou a ser uma das 18 ferrovias que formaram a Rede Ferroviária Federal (RFFSA). Entre 1970 e 1974, o antigo sistema da Serra Velha foi substituído por cremalheiras, operando com locomotivas Hitachi, com capacidade para 500 toneladas. Em 1996 a ferrovia foi privatizada e entregue à MRS. O trecho entre Rio Grande da Serra e Jundiaí ficou sob domínio da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), que dividiu o trecho, operando suas linhas de trens de subúrbio 7 (Jundiaí-Brás) e 10 (Brás-Rio Grande da Serra), com a MRS tendo permissão para operar e compartilhar o trecho.

A Santos a Jundiaí tinha seu quilômetro zero na cidade de Santos, no bairro do Valongo, na região central (Estação do Valongo). Cruza Cubatão, Santo André (Paranapiacaba), Rio Grande da Serra, Ribeirão Pires, Mauá, novamente Santo André (área central) e São Caetano do Sul até chegar à Capital, onde seus trilhos servem como como separação entre os bairros do Ipiranga e Vila Prudente e entre Cambuci e Mooca. Cruzam o Brás, Bom Retiro, Santa Cecília, Barra Funda, Lapa, Pirituba, Jaraguá e Perus. Seguindo pelo interior, seu trajeto também abrange Caieiras, Franco da Rocha, Francisco Morato, Campo Limpo Paulista, Várzea Paulista e Jundiaí, onde termina na Vila Arens, quilômetro 139.

De Campo LImpo, rumo às Minas Gerais

Os ingleses da SPR sabiam que poquíssima gente teria condições de transpor a Serra do Mar, e com isso a ferrovia deles passou a ser o principal caminho para escoar o café produzido em São Paulo. Por causa disso, outras ferrovias surgiram como ramais que se ligavam à SPR. Uma delas foi a Estrada de Ferro Bragantina, bancada por fazendeiros de Bragança Paulista.

Em dezembro de 1878 começou a construção da linha, partindo da estão de Campo Limpo da SPR, em direção a Bragança. Mal começou, e o trabalho ficou parado, até que em janeiro de 1884 foi retomado. Em maio desse ano foi aberto o primeiro trecho, até Atibaia. Em agosto, finalmente a estrada chegou a Bragança. Por causa da diferença de bitolas (distância entre os trilhos, ficavam caras as baldeações de carga na estação de Campo Limpo Paulista. A EFB foi comprada pela SPR em 1903 e nominou oficialmente o trecho como Ramal Bragantina. Dez anos depois, a SPR expandiu o ramal, chegando a Estação Bandeirantes (Vargem) na divisa com Minas Gerais. Em janeiro de 1914, foi aberto o Ramal de Piracaia ligando a estação de Caetetuba a Piracaia, passando por Atibaia, com extensão de 30,6 quilômetros.

O primeiro baque foi a crise de 1929, que quebrou cafeicultores. A pá de cal da Bragantina foi em 1958, com a abertura da Rodovia Fernão Dias, ligando São Paulo a Belo Horizonte. O último trem da Bragantina circulou em junho de 1967. Quase vazio.

Itatiba queria uma ferrovia até Jundiaí

Empresários de Itatiba se propuseram a construir uma linha ferroviária até Jundiaí, para se ligar com a SPR, e consequentemente o Porto de Santos. Mas a Companhia Paulista não deixava. Até que em 1890 o governo da Província autoriza seu funcionamento, e ela já estava pronta. Partia de Louveira, então distrito de Jundiaí, tinha 21 quilômetros e seis estações – Abadia, Luiz Gonzaga, Tapera Grande, Paracatu, Itapema, Paraíso e Itatiba; sua frota era de três locomotivas, 36 vagões de carga, seis carros de passageiros, e depois de 1930, três automotrizes movidas à gasolina.

Mas antes disso houve muito barulho. Numa hora a Paulista dizia uma coisa, noutra hora, outra. Planejava-se que o entroncamento fosse numa estação onde hoje está Vinhedo. E isso começou ainda no final do século 19. Quando finalmente foi dada a concessão à Companhia Carris de Ferro Itatibense, houve limitações, como a bitola de um metro, economicamente desfavorável a transporte de grandes cargas.

Jundiaí a Itu, passando por Itupeva

Talvez os mais jovens não saibam, mas o lugar onde a prefeitura de Itupeva funcionou até o começo de 2008 era a estação ferroviária, pertencente à Companhia  Ytuana de Estradas de Ferro, construída para ligar Jundiaí a Itu. Foi inaugurada em 1873 e era a primeira parada depois que o trem partia de Jundiaí. Como Ytuana, funcionou até 1892, quando foi absorvida pela Estrada de Ferro Sorocabana. O trecho esteve ativo até 1970. Depois disso, parte dos trilhos foi retirada, parte roubada. No seu antigo traçado foram construídas as avenidas dos Ferroviários e Luiz Latorre, em Jundiaí.

A linha acompanhava o Rio Jundiaí desde o início, mas devido ao solo rochoso naquele ponto, foi feito um desvio que se afastou dele, exatamente onde foi construída a estação, em terras da então fazenda São João da Via Sacra, grande produtora de café. O povoado se formou em volta dela e deu origem ao distrito, mais tarde município de Itupeva.

O andar sobre trilhos começou há cinco séculos

No século 16, as minas de carvão inglesas adotaram trilhos de madeira e vagonetas para transportar o material retirado do subsolo para a superfície. Até que um inglês, James Watt, em 1770, inventou a máquina a vapor. E outro inglês, Richard Trevithick, construiu a primeira máquina capaz de aproveitar altas pressões de vapor para girar um eixo trator. Montou-a sobre um chassis de quatro rodas, projetado para deslocar-se sobre trilhos. Em 1804, Trevithick fez uma experiência com o veículo, puxando um vagão com 9 toneladas de carvão por 15 quilômetros de trilhos – foi a primeira locomotiva bem sucedida do mundo.

George Stephenson, outro inglês, construtor de locomotivas a vapor, fez a primeira ferrovia pública do mundo, ligando Stockton a Darligton, inaugurada em 1825. Cobria a distância de 32 quilômetros e tornou-se a primeira ferrovia, no mundo, a conduzir trens de carga, em horários regulares.

Mas depois de algumas guerras, os países europeus passaram a ver as ferrovias como estratégia militar. A Alemanha, por exemplo, construiu uma grande malha ferroviária com o intuito de transportar tropas, armamentos e suprimentos para as frentes de batalha, exemplo seguido pelos franceses. A importância das ferrovias em estratégia militar é exemplificada pela história de Thomas Edward Lawrence, o Lawrence da Arábia – ele ensinou os árabes a dinamitar a ferrovia que abastecia o Império Turco, então em guerra com os árabes, prestes a sere unificados, depois da Revolta Árabe (1916-1918).

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