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quinta-feira, 25 abril, 2024

Nada de ser guerreira ou vítima. Ela só tem vontade de viver e trabalhar

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Ivanilde tem algo místico até no nome: Ivanilde da Silva Anjo. Nasceu em Araguatins, cidade que até 1989 era de Goiás, na região do Bico do Papagaio, mas que hoje é do estado do Tocantins. É a terceira de uma família com oito filhos. Nasceu na roça, onde desde criança precisava ajudar nas tarefas domésticas, como cuidar dos irmãos menores, lavar fraldas (não existiam as descartáveis). Ajudava também na lavoura, na colheira de arroz e feijão. E na roça ficou até os 16 anos, quando mudou-se para Goiânia, capital do estado, para trabalhar como empregada doméstica. Ficou oito meses no emprego.

De Goiânia foi para o Rio de Janeiro, onde também conseguiu emprego de doméstica, durante seis anos. Nos oito anos seguintes tornou-se babá. “Eu praticamente não descansava, o trabalho era de segunda a segunda, sem folga”, lembra Ivanilde. Até que em 1994 mudou-se para São Paulo. E novamente babá até 1997. Mais três anos sem descanso. Até que um dia resolveu que deveria morar sozinha.

Conseguiu alugar uma casa em Várzea Paulista e foi trabalhar como empregada doméstica. E nessas idas e vindas do trabalho para casa e de casa para o trabalho, conheceu um rapaz que tornou-se seu namorado. O namoro ia bem, mas aí Ivanilde ficou grávida. O casal resolveu morar junto. Ivanilde teve seu filho, hoje com 19 anos (e já trabalhando para ajudar no orçamento da casa), mas o relacionamento com o namorido não durou muito. “Me separei dele por causa das mentiras, conta ela. Era muita mentira para um homem só”.

Novamente sozinha e com um filho para criar, Ivanilde tocou a vida, não perdendo uma oportunidade de fazer faxina ou servir como doméstica. E então conheceu outro rapaz, seu namorado até hoje. Ele a ajudou a criar o filho do relacionamento anterior, que tinha três anos, e ainda lhe deu outros três filhos. Não moram juntos, é cada um em sua casa. Há 14 anos. Ele pedreiro, ela com as faxinas. “Acho que morar junto não dá certo, explica Ivanilde. Ainda lembro de meu pai, que bebia muito, e quando ele saía para buscar lenha (era o que dizia), ficava três, quatro dias fora de casa. E com ele fora de casa, nós não tínhamos como fazer fogo. Chegamos a passar fome”.

Ivanilde mudou-se para Jundiaí e continuou com seu trabalho, sem recusar faxina ou outros serviços domésticos. Cuida da casa, dos filhos, e ainda tem tempo para ser voluntária na Casa da Fonte, na região do Novo Horizonte, onde faz um pouco de tudo. Mas seu xodó é a horta, onde há um pouco de tudo – mandioca, repolho, couve-flor, pimenta dedo-de-moça, alface, brócolis, espinafre, cebolinha, salsinha, mamão, giló, beringela… Nada é vendido – o excesso é doado às famílias da vizinhança.

A família almoça junta todos os dias. “Nós fazemos questão de estar sempre juntos”. O filho que trabalha, João Vítor, almoça em casa; os demais – Pedro Henrique, de 14 anos, Gabriel Henrique, de 11, e Júlia Rafaelli, de 7, ajudam no que podem. Nas poucas horas de folga, a mãe acompanha os filhos em seus deveres escolares. Em sua humildade, diz só ter um sonho: “Gostaria de voltar a estudar. Só fiz os quatro primeiros anos, no antigo primário”.

Mas ela já teve mais trabalho com filhos. Não trabalho de buscar filhos em más companhias ou de ir à escola para ouvir broncas. O segundo, Pedro Henrique, gostava de escrever, e ela incentivava. O mais velho, João Vítor, queria ser jogador profissional de futebol. E lá ia dona Ivanilde levar o moleque aos treinos. Por falta de sorte ou de talento, João Vítor chegou a jogar em equipes amadoras e desistiu. Hoje, futebol só na brincadeira com amigos.

Sábado é dia de ir ao mercado e abastecer a despensa. Despensa é coisa de rico. Pobre guarda ou no armário da cozinha ou na geladeira. No domingo, o almoço é mais caprichado. E na segunda-feira sua rotina – nada rotineira – recomeça. Desde que saiu de Araguatins, só voltou à cidade uma vez. Não vê seus irmãos há 29 anos. Contato só com uma sobrinha, e pelo Facebook. Está sempre otimista e confiante.

Mas que ninguém se iluda com a fragilidade que seu tamanho inspira – ela mede 1,50m. Certa vez, um valentão ameaçou bater em seu filho, ainda pequeno, que brincava na rua. E lá foi a Ivanilde, com todo seu tamanho, enfrentar o valentão, que acabou desistindo de suas intenções. E a molecada continuou brincando na rua.

Na horta, recebe pedidos de sementes e mudas, embora haja os que aproveitam a falta de vigilância para levar pés de alface, repolho ou couve sem pedir. E na horta, seus canteiros sempre têm um pé de girassol. “É uma flor bonita, que alegra, que dá vida”, entre uma e outra enxadada na terra fofa e bem adubada. E entre a rudeza da roça e de seus canteiros, uma pitada de filosofia: “Celular atrapalha as crianças”. Na Casa da Fonte ganhou apelido: Chocolate, por razões óbvias. Mas pelo que ela representa pode ser um Ferrero Rocher.

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A Editora Urbem faz parte do Grupo Novo Dia e edita livros de diversos assuntos e também a Urbem Magazine, uma revista periódica 100% digital.
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