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quinta-feira, 25 abril, 2024

Há 50 anos, Brasil conquistava a Taça Jules Rimet, roubada e derretida

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Antes da taça, seleção conquistou os mexicanos. Embora o técnico fosse Zagallo, jogadores eram chamados de feras do Saldanha

Quem viu, ótimo. Quem não viu, que se contente com os vídeos, hoje disponíveis no Youtube – nunca o Brasil teve uma seleção de futebol tão afinada e coesa como a que conquistou o tri-campeonato mundial no dia 21 de junho de 1970 no México. Sobravam jogadores e o improviso deu certo. Quem levou os méritos foi o técnico Zagallo, que, como jogador, havia sido campeão nas seleções de 1958 e 1962. Quem montou essa seleção foi o jornalista João Saldanha.

Como havia sido eliminado na Copa de 1966, o Brasil precisou disputar as eliminatórias. Chamado para a missão, João Saldanha, que era jornalista e militante do Partido Comunista (na época, o Brasil era presidido por militares, que combatiam o comunismo), tratou de fazer a convocação que não caiu no agrado do público. Era meio desacreditada. Mas a seleção ganhou todas e se classificou para a Copa do México.

O então presidente Mèdici queria a todo custo que o jogador Dadá Maravilha fosse convocado, mas Saldanha resistiu. Foi o pé que Médici precisou para mandar demitir Saldanha, faltando dois meses para a Copa. Em seu lugar, foi colocado Zagallo. Saldanha comentaria tempos depois “que era difícil tolerar um cara com longa trajetória no Partido Comunista ganhando força, debaixo da bochecha deles”. E o Brasil foi para a Copa com excesso de jogadores na mesma posição.

Rivelino, que no Corinthians era meio de campo, foi para a ponta esquerda. Tostão continuou centro avante; Jairzinho, que era centro avante, foi para a ponta direita. Gerson, que era meio de campo e fazia no Botafogo a mesma função de Pelé no Santos, continuou em sua posição, e Pelé foi fazer companhia a Tostão. Piazza, que no Cruzeiro era meio de campo, foi jogar na defesa. Os goleiros eram Félix (Fluminense), Ado (Corinthians) e Leão (Palmeiras). A lógica seria Ado titular, mas Médici gostava mais de Félix, que acabou titular.

O presidente da CBD (hoje CBF) era João Havelange; o chefe da delegação, Jerônimo Bastos, era militar, assim como o preparador físico, capitão Cláudio Coutinho, que depois acabou se tornando técnico também. Foi a primeira Copa que a televisão transmitiu ao vivo para o Brasil. No jogo final, contra a Itália, o Brasil ganhou de 4×1 e conquistou a posse definitiva da Taça Jules Rimet. A taça era de posse transitória, e só a teria quem ganhasse três copas – o Brasil já tinha as de 1958 e 1962.

Todos os jogadores negaram, posteriormente, que tivessem dado apoio ao regime militar. Carlos Alberto afirmou no programa Roda Viva, em 1988: “Naquela época eu ainda era muito jovem e só queria saber de futebol. Eu não queria saber de política, dos militares que estavam no poder. A gente estava jogando futebol profissional, nem se preocupava com essa coisa. O que interessava para nós era nossa carreira, o orgulho profissional de ganhar uma Copa do Mundo. Isso era o que interessava”.

Pelé, que beirava os 30 anos, teve sua foto estampada no mundo todo ao lado do presidente Médici, ao voltar ao Brasil e exibir a taça. Muitos o taxaram de apoiador dos militares. Pelé refuta a acusação: “Cumprimentar um presidente era um gesto pessoal. Isso não significava apoiar o governo”. Pelé havia sido eleito o melhor jogador da Copa.

Passada a euforia do tri-campeonato, e com os jogadores de volta aos seus clubes, apareceram os escândalos. O então governador de São Paulo, Paulo Maluf, presenteou toda a seleção: um Fusca para cada jogador. E em dezembro de 1983, a Taça Jules Rimet, que estava guardada na sede da CBF, no Rio de Janeiro, foi roubada. A taça, por sinal, tinha antecedentes – já havia sido roubada em 1966, em Londres, meses antes da Copa do Mundo da Inglaterra, mas fora recuperada. No roubo brasileiro, ela desapareceu de vez – foi derretida.

As máximas de Saldanha

Gaúcho de Alegrete, João Saldanha foi apaixonado por futebol desde criança. Mas sua vocação para jogador terminou meses depois de se mudar para o Rio de Janeiro e treinar nas equipes de base do Botafogo. Então resolveu ser jornalista esportivo. Com o tempo, tornou-se um dos mais destacados na área. Analisava cada jogo e dava sua opinião.

ntendia tanto de futebol, que muita gente o considerava melhor que muitos técnicos. E o Botafogo levou essa história a sério – em 1957 contratou-o como técnico. De cara ganhou o Campeonato Carioca e ficou no Botafogo mais dois anos.

De volta ao jornalismo, suas críticas ácidas se tornaram melhores ainda. Não escondia suas ressalvas e intransigências, como a jogadores cabeludos – entendia que a cabeleira atrapalhava a visão e amortecia a bola. Mas nenhuma voz era tão respeitada quanto a sua no que dizia respeito à seleção brasileira, principalmente depois do estrondoso fiasco na Copa do Mundo de 1966.

Em fevereiro de 1969, sua convocação para dirigir a seleção brasileira surpreendeu. A CBD (hoje CBF) era controlada pelos militares, e João Saldanha, notório militante do Partido Comunista, que sempre que tinha chance, criticava o governo. Com a convocação dos jogadores para as eliminatórias, criou o mito das “Feras do Saldanha” – o Brasil disputou seis jogos, ganhou todos, e se classificou para a Copa.

“Se concentração ganhasse jogo, o time da penitenciária seria campeão”

“Goleiro, para ser bom, tem de dormir com a bola. Se for casado, com as duas”

“Se macumba ganhasse jogo, o campeonato baiano terminava empatado”

“O goleiro é tão maldito que onde joga não nasce grama”

“Pênalti é tão importante que devia ser batido pelo presidente do clube”

“Quem não faz gol, leva”Saldanha

Quando Médici sugeriu a convocação do jogador Dadá Maravilha, Saldanha respondeu pelos jornais: “Ele escala a ministério, eu escalo a seleção”. Duas semanas depois foi demitido, e Dadá convocado, apesar de não haver jogado nenhuma partida. “O regime não admitia a possibilidade de um líder oposicionista tão expressivo como o Saldanha voltar do México consagrado e venerado pelo povo”, conta o jornalista Carlos Ferreira Vilarinho, autor do livro Quem derrubou João Saldanha.

Conhecido como João sem Medo, Saldanha morreu durante a cobertura da Copa de 1990 na Itália, aos 73 anos.

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