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domingo, 8 dezembro, 2024

Eginaldo, de faxineiro a doutor de verdade

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Eginaldo Marcos Honório é jundiaiense, nascido em março de 1954, numa família de sete irmãos – quatro mulheres e três homens. É advogado há 36 anos, coleciona títulos e homenagens, é orgulho para a família – Sueli, com quem está casado há 42 anos, os três filhos (uma formada em Direito e já trabalhando com o pai), um que é funcionário público concursado e o mais novo empresário (designer gráfico); há na família quatro netos e um bisneto. Orgulho para os amigos também, que não são poucos. Mas a vida nem sempre foi um mar de rosas para Eginaldo. Aos sete anos de idade ficou órfão de pai – e pior, praticamente assistiu a morte do pai de maneira trágica.

O pai era funcionário dos Correios, que na época se chamava EBCT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. No dia 6 de outubro de 1961 ele foi para Vinhedo, juntamente com outros dois funcionários, para reparar fios de telégrafo. Resolveu levar Eginaldo consigo. Era uma época em que a segurança do trabalho não era levada a sério nem por trabalhadores nem pelas empresas. Nada de cinto de segurança, óculos, capacete, luvas, botas… era tudo na raça.

Em Vinhedo, seu pai subiu no poste para consertar o defeito, e acidentalmente tocou num fio de alta tensão. Morreu na hora, eletrocutado, e ficou preso ao poste. Ninguém notou, até que um motorista de caminhão parou para perguntar aos trabalhadores sobre um restaurante próximo. Como o pai de Eginaldo conhecia bem a cidade, foi chamado pelos funcionários, e como não respondia, resolveram balançar a escada. Ele caiu, quase em cima do filho. A partir desse dia, a vida da família virou de cabeça para baixo: sem o pai, morto aos 37 anos; a mãe viúva aos 35, com um bebê de um ano e oito meses para cuidar.

A família morava no Anhangabaú, perto do antigo cadeião, mas precisou mudar-se diversas vezes por falta de condições de pagar o aluguel, e chegou a passar fome. Para sustentar a prole, a mãe fazia faxina em imóveis desocupados há pouco tempo, por conta de uma imobiliária – e Eginaldo ajudava a mãe nas faxinas. Aos 11 anos, passou a trabalhar com um carroceiro, vendendo frutas, legumes verduras nas ruas e em feiras-livres. Aos 14 tornou-se estafeta dos Correios após ser aprovado em concurso público. Ficou na empresa até os 17 anos, idade limite. Mas tinha um propósito – vencer, superar. Conseguiu. Eginaldo falou à revista Urbem Magazine.

Há muitos anos eram comuns apelidos para negros como Negão. As pessoas se referiam a negros como pretos. Isso o incomodava na infância ou era uma coisa normal ?

Incomodava muito, porque eram apelidos sempre com conotação pejorativa. Eu briguei muito na escola por conta disso. Era comumente chamado de “tição”, “fundo da panela”; “chiclete de onça” . . . que me tiravam do sério e até perdia ânimo de ir a escola, apesar de ser bem tratado pelas professoras. Os primeiros anos foram no Sesi 189 – próximo a Vigorelli.

Sofreu algum tipo de discriminação em escola ou trabalho? E na vida social?

Na escola sim. . No cotidiano também; todavia, como sabemos, é extremamente difícil comprovar. Prestei inúmeros concursos públicos para a Magistratura e nos 4 últimos (Mato Grosso, Goiás, Brasília e Tocantins) não fui aprovado por diferença de único ponto. Tenho amigos professores que acompanham a minha presunção, pois conheciam o meu potencial, e a única justificativa para não aprovação era a cor da pele.

Há preconceito entre os brasileiros? Sabemos que há, mas antes era maior ou menor do que nos dias atuais?

A resposta é difícil, porque a maldade está arraigada de tal modo no tecido social que além de difícil comprovar, a discriminação no Brasil é muito sutil e em algumas hipóteses, quase imperceptível. Vale lembrar que os negros brasileiros correspondem a mais da metade da população e, em vista disso, não são vistos na mesma proporção, quer na iniciativa privada, quer na pública. Essa prova é incontestável.

Pertence a algum movimento ou entidade que promova a igualdade racial?

Fui o primeiro presidente do Conselho Municipal da Comunidade Negra de Jundiaí, pertenço ao quadro de diretores do Clube Beneficente Cultural e Recreativo Jundiaiense 28 de Setembro há muitos anos, inclusive com título Benemérito desde 2003; integro também as comissões da Ordem dos Advogados do Brasil de Jundiaí (33ª Subsecção_ apontadas com esses objetivos.

Acabou aquela velha etiqueta que negros só sabem jogar futebol e sair em escola de samba?

Não. Como dissemos, esse estigma existe até hoje tal qual o de que negro é indolente, preguiçoso, vagabundo, bandido, etc.

No mundo todo há um movimento pela igualdade racial, principalmente nos Estados Unidos, onde ainda são latentes, em alguns estados do Sul, a segregação e a discriminação. No seu entender, o Brasil está precisando de um movimento desse tipo?

Se a comunidade negra brasileira fosse unida, certamente esse estado de coisas seria muito diferente. Como disse, a discriminação aqui é muito sutil e, no mais das vezes, mais perversa do que se houvesse mesmo segregação, uma vez que aqui as pessoas pensam que estão sendo bem tratadas, quando na real, veladamente é discriminada sem que perceba. 

Qual a forma correta de um negro ser tratado: afrodescendente, negro, pessoa de cor?

Eu defendo que seja chamado por negro, até porque também defendo estudos científicos e antropológicos de que todo ser humano descende de África; portanto, todos são afrodescendentes, sendo a coloração apenas adaptação ao meio.  

O senhor é a favor de cotas para negros (ou afrodescendentes) em concursos públicos e universidades? Isso ajuda ou atrapalha?

Sim, 100% a favor. Inclusive ajudei a construir a primeira lei de cotas do Brasil em concursos públicos no âmbito de Jundiaí, como primeiro presidente do Conselho da Comunidade Negra em 2002. No quesito resultados, os dados estatísticos dão conta de que os que ingressaram pelo regime de cotas raciais apresentaram resultados iguais ou melhores que os que vieram pelo regime universal. A pergunta é muito interessante porque o Brasil sempre teve – e ainda mantém – regime de cotas para brancos, pessoas com deficiência, filhos de fazendeiros; gênero, e, toda vez que se fala em cota para negro, as mais variadas controvérsias se instalam. O regime de cotas raciais, pelo que sinto, além de fundamental, ajuda e muito, na medida em que as pessoas passam a ser vistas e tratadas de forma mais humana, lembrando que somos iguais, mas diferentes, resultando na oferta de política pública, na produção de legislação, oferta de emprego, desenvolvimento de cultura, medicamentos . . .

Qual sua maior alegria na vida? E sua maior decepção?

A minha maior alegria é acordar todos os dias. Sou apaixonado pela vida, apesar das dificuldades que temos de enfrentar todos os dias. A maior decepção foi ter sido excluído de concurso público apenas por ser negro, sem perder de vista que amo demais a minha profissão.

Martin Luther King tornou uma frase famosa (I have a dream) – eu tenho um sonho. Qual seria sua frase, se tivesse de discursar?

Eu parodiei em minhas crônicas, palestras, aulas, … e  parodio essa frase. Atualmente digo: “ Só quem é sabe o que é ser”.

Quem é Eginaldo

  • Primeiro presidente do Conselho Municipal da Comunidade Negra de Jundiaí (2000/2003)
  • Delegado na Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, no Distrito Federal (2005; 2009 e 2013)
  • Candidato a vice-prefeito de Jundiaí (2012)
  • Homenageado com o troféu Amigo do Bombeiro  pelo 19º Grupamento do Corpo de Bombeiros da Policia Militar de Jundiaí e Região (2013)
  • Ouvidor Municipal em Jundiaí, 2013/2016;
  • Professor Convidado da Unisal  – Centro Universitário Salesiano de São Paulo, Unidade São José, para formação da 1ª Turma Pós-graduação(2011) lato sensu em História e Cultura Afro-Brasileira
  • Prêmio Força da Raça Campinas (2003 e 2013)
  • Diploma (Comenda) Zumbi dos Palmares, outorgado pela Câmara Municipal de Campinas (20 de novembro de 2005)
  • Medalha Petronilha Antunes, outorgada pela Câmara Municipal de Jundiaí (2015)
  • Diploma Mérito Jurídico, outorgado pela Câmara Municipal de Campinas (2017)
  • Consultor Jurídico na Comissão de Direitos Humanos, Comissão da Igualdade Racial e Comissão da Liberdade Religiosa  da 33ª Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em Jundiaí
Urbem
Urbemhttps://novodia.digital/urbem
A Editora Urbem faz parte do Grupo Novo Dia e edita livros de diversos assuntos e também a Urbem Magazine, uma revista periódica 100% digital.
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