A Globo já foi “A Globo”. Não é mais. Uma série de tropeços e principalmente sua posição de antagonismo com Bolsonaro ajudaram apressar o que deveria ter sido feito há mais tempo. A concorrência também cresceu – a Record aprendeu fazer novelas e contratar bons artistas; o SBT continua com sua receita que dá certo há anos; a Band também cresceu e pra ajudar, a CNN veio para o Brasil. Além disso, o sinal da Globo na TV a cabo não conta mais com tanta preferência como tinha o sinal aberto há 20 ou 30 anos. Pra complicar ainda mais o que já não ia bem, veio a pandemia da covid-19.
A Globo não faliu, mas a ordem é apertar – o correto seria espremer – onde dá, para manter a empresa rentável. Seus contratados, que chegam a ficar até três anos sem participar de qualquer produção, mas recebendo salários, não existem mais. A Globo dispensou Renato Aragão, Zeca Camargo (que já se arrumou na Band), Miguel Falabella, Vera Fischer e outros de menor projeção. Todos tinham salários milionários. Do grande grupo de artistas – mantidos sob contratos para não trabalhar na concorrência – sobraram poucos. Agora a ordem é contratar artistas para atuarem em determinadas obras. E isso vai gerar uma economia milionária.
O susto pra valer foi no início do ano – o balanço financeiro mostrou que a receita de publicidade havia caído 8%. O grupo faturou R$ 14,1 bilhões – 4% a menos que em 2018. O lucro caiu de R$ 1,2 bilhão para R$ 752 milhões. Mas boa parte dessa renda veio de juros de investimentos e aplicazções, e não de faturamento comercial. A Globo ainda tem a maior fatia da publicidade do país, mas a pandemia mostrou outra realidade – o crescimento dos meios digitais de comunicação. O que antes era exclusividade do Jornal Nacional, agora é coisa corriqueira em sites de notícias, que se propagam nas redes sociais.
Acabaram-se as reuniões regadas a uísque. O jeito é pechinchar tudo. Até a Copa do Mundo de 2022, que a Globo já havia comprado, está sendo renegociada – a Globo não está conseguindo pagar à Fifa os 90 milhões de dólares por mês pelos direitos de transmissão. Caso não consiga descontos, a Globo afirma que pode até não transmitir os jogos da copa. A Fifa engrossou o caldo e o caso está num tribunal internacional.
Como a desgraça nunca vem sozinha, há outro problema – são as cotas de patrocínio da Olimpíada do Japão, adiada para 2021. Os patrocinadores que já haviam se comprometido a mostrar suas marcas nas transmissões olímpicas mantiveram o compromisso, mas exigiram descontos até há alguns anos impensáveis para a Globo. Isso significa redução do faturamento. Os campeonatos de futebol também foram ou suspensos ou encurtados – ou ambos – e lá se foram outras cotas de patrocínio.
Com todos esses problemas, há outros, que aos poucos minam a resistência da emissora – o boicote promovido por grupos bolsonaristas pelas redes sociais, que acusam a Globo de parcialidade. Alguns anunciantes, cujos donos são declaradamente a favor de Bolsonaro, tiraram seus anúncios da emissora. E perder um anunciante é perder em dobro: deixa-se de ganhar e o dinheiro vai para a concorrência. Resumo da ópera: a Globo não faliu. Por enquanto vai ganhar menos. Mas se não arrumar a casa direito, corre risco de fechar suas portas. E a cereja do bolo dos problemas: a concessão da Globo vence em 5 de outubro de 2022. E Bolsonaro já avisou que se tudo estiver em ordem, renova. Se não, cassa.