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sexta-feira, 22 novembro, 2024

Pandemia expõe as falhas no ensino da Matemática

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Especialistas explicam dificuldade dos humanos em lidar com modelos e projeções, evidenciando o analfabetismo de dados

Desde projeções de novos casos de coronavírus até o chamado achatamento da curva de contágio, conceitos e modelos matemáticos entraram no noticiário e nas discussões da pandemia – e, para alguns especialistas, a nossa dificuldade em entender e aplicar esses conceitos é mais uma evidência de que a forma como o aprendizado da Matemática na escola está longe de preparar para usar a disciplina na vida real. Esse foi um dos assuntos debatidos no seminário online Como ensinar a Matemática do futuro?, promovido pelo Instituto Sidarta (dedicado a projetos e políticas no ensino da Matemática) no final de maio.

“Estamos ensinando a Matemática do século 19 nas nossas escolas, e isso cria uma lacuna na formação que damos aos jovens para o exercício de profissões e para munir as crianças com ferramentas para entender o mundo à nossa volta, que é o objetivo da Matemática”, afirmou no encontro virtual Marcelo Viana, diretor-geral do Instituto de Matemática Pura e Aplicada (Impa).

Viana citou algumas. Estatística e probabilidades, por exemplo, essenciais para se entender o comportamento do novo coronavírus e o impacto das medidas de prevenção, são temas que o matemático acredita que “estavam até há pouco tempo praticamente ausentes de sala de aula”, embora ele ache que isso esteja mudando com a adoção da nova Base Nacional Curricular Comum.

Para além da pandemia, estatística e probabilidades têm infinitos usos cotidianos, dos mais simples – como entender a probabilidade de chuva em um dia qualquer – aos mais complexos, como identificar padrões de infecções em hospitais para adotar medidas de prevenção. “Outra área que custa para chegar à sala de aula é a combinatória, base da ciência da computação e da tecnologia da informação”, explicou Viana. A análise combinatória permite que se analise quantas combinações diferentes podem ser feitas com um conjunto de elementos. Por exemplo, com as 26 letras do alfabeto e dez números, quantas combinações de senhas de 8 dígitos eu consigo fazer? (A resposta é: 2,8 trilhões de senhas). Viana citou, por fim, o estímulo ao raciocínio lógico como algo absolutamente negligenciado (no ensino da Matemática), o que é trágico, por se tratar de habilidade considerada essencial para formar trabalhadores e cidadãos para o século 21.

No Brasil, só 16% dos alunos concluem o ensino fundamental (9° ano) com aprendizado adequado em Matemática, segundo os dados da Prova Brasil 2017. Mas os problemas no ensino da disciplina não são limitados ao país. “Os currículos não estão preparando os estudantes para serem alfabetizados na leitura de dados”, diz à BBC News o acadêmico americano Jack Dieckmann, diretor de pesquisa do Youcubed, projeto de ensino de Matemática na Universidade Stanford (Estados Unidos). Dieckmann também participou do encontro do Instituto Sidarta.

Ser alfabetizado em dados significa ser capaz de entender números, gráficos, probabilidades ou questões lógicas, por exemplo, e conseguir usar esses dados para entender padrões ou mesmo tomar decisões. “Muitos jovens não estão engajados no ensino online, mas eu diria que eles não estavam engajados no ensino mesmo antes disso. A pandemia só jogou uma luz sobre isso – sobre a utilidade do que pedimos que eles aprendam”.

A professora de Matemática Maitê Salinas, do colégio ligado ao Instituto Sidarta, em São Paulo, contou como ensinou a seus alunos, em uma aula remota, o comportamento do novo coronavírus. Primeiro, propôs a eles um cenário fictício, em que o número de contaminados aumentasse em três casos por dia. Daí, ouviu as hipóteses dos alunos para como calcular a quantidade de casos depois de cem dias. Em seguida, apresentou-lhes, visualmente, os dados reais do crescimento do vírus. “Eles logo perceberam que não está somando três (casos por dia), está multiplicando por três”, afirmou a professora no seminário. E assim os alunos perceberam a diferença entre um crescimento linear e um crescimento exponencial.

Jack Dieckmann defende que matemáticos e professores pensem também em formas de integrar o ensino da Matemática a outros temas relevantes para o século 21, como a sustentabilidade, as mudanças climáticas e o engajamento eleitoral. Ou seja, como modelos, simulações e projeções matemáticos podem ajudar os estudantes a entender seu papel nas questões mais importantes da atualidade? “Sabemos que há necessidade disso, e temos de criar materiais e práticas que permitam aos estudantes interagir com o mundo e não serem tão passivos no estudo da Matemática”, diz o Jack. Caso contrário, diz ele, as pessoas se verão diante de números, gráficos e tendências – seja de avanço do coronavírus ou das mudanças climáticas – sem entender seu próprio papel em mudar essa realidade.

O Youcubed, projeto em que Dieckmann trabalha em Stanford, propõe práticas de ensino matemático mais visuais (por exemplo, com desenhos, cubos e barbantes) e mais voltadas ao uso de dados em questões e problemas cotidianos. Também critica a ênfase do ensino tradicional na memorização, na quantidade de acertos das crianças e na rapidez com a que elas resolvem os exercícios. Os argumentos contra isso são de que a memorização está desprovida de significado, valorizar a rapidez desestimula a maior parte dos estudantes, e de que o erro e o esforço para corrigi-lo são na verdade oportunidade de formar novos caminhos neurais no cérebro, que vão ajudar o aluno a de fato aprender Matemática.

A ideia do projeto é que a Matemática deixe de ficar na memória de estudantes como algo assustador e traumático passe a ser vista como uma habilidade essencial à vida. Isso exige uma mudança na forma de pensar dos alunos, mas não só. “É preciso mudar também currículos escolares, a velocidade cobrada dos alunos, a colaboração entre todos e o papel dos professores, que passam a ser aprendizes nesse processo”, afirma Dieckmann.

Embora haja a percepção de que a pandemia vai mudar a dinâmica das escolas e o ensino da Matemática, a forma como isso vai acontecer ainda é uma interrogação. Como promover o ensino colaborativo da Matemática e a resolução conjunta de problemas, se os alunos provavelmente terão de manter o distanciamento entre si, mesmo dentro de sala de aula, por um bom tempo?

“Na volta às aulas presenciais vai ser difícil, sem dúvida, de fazer com que os alunos se sintam seguros, estáveis e prontos para entender a nova realidade. No momento ainda não vemos luz no fim do túnel, mas temos uma oportunidade de olhar para o que pode ser melhorado e para criar um novo normal, em vez de voltar para o normal de antes, que não estava funcionando”, finaliza Jack.

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A Editora Urbem faz parte do Grupo Novo Dia e edita livros de diversos assuntos e também a Urbem Magazine, uma revista periódica 100% digital.
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