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sexta-feira, 29 março, 2024

O massacre em Suzano e o ódio desse mundo perverso

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Era para ser uma manhã como as outras. Levantar, escovar os dentes, comer um lanche rápido, ir à escola, rir com os amigos; talvez nesse meio tempo houvesse preocupação com as provas desse semestre, talvez estivessem pensando o que fazer quando chegassem da escola; almoçar, assistir a sessão da tarde e só então ir fazer o trabalho que a professora havia pedido semanas antes. Ali, naquela mesma cidade que hoje sabe Deus, havia uma professora que recentemente havia sido promovida ao cargo de coordenadora pedagógica e uma inspetora que, segundo relatos, era só alegria: uma mulher que amava seu ofício e tinha um amor incondicional pelos filhos.

O que ninguém esperava era que aquela manhã de quarta-feira, 13, seria fatídica. Por volta das 9h30, dois assassinos chegam à escola Estadual Professor Raul Brasil, em Suzano, encapuzados portando arma calibre 38, arco e flecha e um machado. Os primeiros disparos ocorreram logo na recepção e em sequência no pátio. Era possível ouvir o barulho à distância. Alguns alunos e funcionários conseguiram se esconder na cozinha, outros conseguiram fugir da escola e três deles deram a vida por aqueles que amam.

Após o estrondo e lágrimas para todos os lados, o inevitável havia acontecido: cinco estudantes foram mortos, entre eles estavam à professora pedagógica e a inspetora da escola. Um dos jovens conseguiu sair da escola durante o massacre, mas voltou para ajudar à namorada e morreu. Quanto aos assassinos, depois do ataque, um deles matou o amigo diante da brincadeira nefasta e, em seguida, se matou.

O Brasil não tinha um retrospecto de tragédias como aconteceu em Suzano. O primeiro massacre foi 2011, em Realengo, Rio de Janeiro, quando um jovem entrou armado na escola Municipal Tasso da Silveira e matou 12 crianças, deixando 13 feridos. Fato é que em seguida também se matou. Na época a imprensa repercutiu sobre o assunto, mas já era um recado de pedido de atenção.

Nos últimos 10 anos teve um aumento de 40% de suicídio de crianças e adolescentes no Brasil, sendo que o autocídio de jovens há muito tempo é a segunda razão de morte em quase todo o mundo. Sem contar Estados Unidos que é campeão no fenômeno de crimes como aconteceu em Suzano.

São tempos difíceis. O mundo investiu demais em tecnologia porque acreditavam-se que o caos social poderia ser contornado e que era possível ter o controle. E nesses investimentos todos deixou-se de investir nas relações humanas. Com isso, a vida perdeu radicalmente o seu valor.

Depois daquela quarta-feira nefasta, procuram-se culpados. A imprensa deu destaque ao atentado, o porquê do crime. Canais de televisão mostraram câmaras internas no momento exato que houve os disparos nas vítimas. Teve apresentador que fez suspense do tiro como se fosse cena de filme. E é justamente isso que o autor do crime espera: o espetáculo da morte e sua fama.

Como jornalista, ao longo de nossa formação, somos levados a pensar sobre os reflexos da cobertura, o quanto ela tem influência sobre quem assiste. Há uma ânsia de querer saber o motivo, de encontrar o culpado; e nessa ânsia de buscar o culpado, de entender a cabeça do tirador, foi prejudicial à imprensa não dar atenção devida às vítimas — porque são elas que sofreram as sequelas para sempre. Quando os meios de comunicação tira o lado humano — que deve ser explorado —, e faz espetáculo sobre o atentado, no fim está banalizando o mal e glorificando o massacre.

O que se sabe é que Guilherme e Luiz eram frequentadores do Dogolachan e 55chan, fórum que são conhecidos por criarem conteúdos de ódio contra todo tipo de minoria. De acordo com alguns veículos de comunicação nacional, Luiz era conhecido no fórum como “luhkrcher666”, e Guilherme como “1guY-55chaN”. Há fortes indícios de que os atiradores haviam procurado o fórum para organizar o ataque.

Massacres como ocorreu em Suzano já é estudado nos Estados Unidos. O que se sabe é que esses crimes têm um ponto em comum: são jovens narcisistas, tristes e cheios de ódio.

Para quem não se lembra, em 2012, um ano após o massacre em Realengo, a Polícia Federal descobriu que o assassino foi influenciado e incentivado por jovens que faziam parte da seita cibernética Homini Sanctus – conhecida pelo ódio contra mulheres, à população LGBT, negros e qualquer outra minoria. O assassino de Realengo levou a brincadeira para a vida real. E ficou marcado como um exemplo nefasto de jovens perturbados, escondidas por trás de uma tela de computador.

Tem crescido a propagação da ideologia misógina na internet, o que deve colocar as autoridades em alerta. Não podemos esquecer que após o caso de Suzano, houve um massacre na Nova Zelândia também. Os terroristas queriam dominar os meios midiáticos, no entanto, houve um esforço das autoridades para conter a glamorização do crime. Já aqui, quando um bandido é morto pela polícia vemos aplausos. Alguém morreu. Há vítimas. Não existem motivos para o espetáculo.

Como se já não bastasse às famílias desestruturadas, o caos social, o rompimento de limites das relações humanas, há outro agravante: a discussão da liberação das armas. A política brasileira não tem pensado na responsabilidade coletiva. As armas interessam aos fabricantes, aos comerciantes, aos empresários do ramo e até políticos que são que patrocinados por essas indústrias de armas de fogo.

A arma é mais um produto no mercado que estimulada à violência. Para fabricar e vender armas é preciso que o mundo seja violento.

E não menos importante, após refletir sobre o que aconteceu em Suzano, e como tudo se deu, o que me chama a atenção é que a escola teoricamente seria um lugar protegido, seguro, quando foi que isso se perdeu? E por quê? Ao refletir, outras perguntas foram tomando forma: O que é a escola e o que ela deve ser? Qual é o seu papel, junto com os pais, na construção da sociedade e do futuro?

A escola, que hoje forma pessoas para o mercado de trabalho, esqueceu-se do mais importante: formar pessoas para a vida, para a complexidade desse mundo caótico.

Ou mudamos nossa concepção do que é educar, da importância de ouvir aqueles que estão em silêncio, de mudar a lógica enfadonha da violência, ou cada vez mais a morte estará nos esperando à esquina, e mais uma vez teremos que conviver com suicídio que deixa rastros de mortes.

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