Vou fazer uma pequena pausa na nossa série de artigos sobre as giras de umbanda para falar de uma experiência muito especial que repetimos no nosso Brarracão e sei que acontece de forma similar em muitos terreiros. O Rito de Sexta Feira Santa. Vou descreve-lo como acontece em nossa casa.
Entrar no terreiro numa Sexta-feira da Paixão é ver muitos médiuns de branco, de pés descalços, sendo lavados fluidicamente pelo chão sagrado da sua igreja-terreiro, ainda é o sol da tarde que entra pelas telhas e ilumina os galhos de ervas de “para-raio” amontoados, que aguardam as benzeduras do Preto Velho Pai José para, enfim, estarem totalmente prontos para seu uso ritual, o sacudimento de limpeza que antecede a unção.
Este é o dia de trabalho de fechamento de corpo. Neste trabalho, as Iabassês já prepararam o tacho de óleo de oliva e o alho, que também serão mirongados pelo Preto Velho e ungirão todos os membros da comunidade, com o sinal da cruz na fronte, no peito, nas mãos e nos pés, sinal feito por cada presente, uns nos outros, numa simbologia única da Casa, que representa a união e no nosso caso, o próprio surgimento do Barracão de Pai José de Aruanda.
É um dia em que os Pais de Santo e Médiuns Passistas, sem incorporação, realizam um ritual muito importante, que antigamente era realizado por benzedeiras católicas, em suas casas, como legítimas mediadoras das forças de Deus e seus santos representantes. O médium tem esse poder. Ele é, acima de tudo, um benzedeiro.
Este rito de unção, por pedido do Pai José, repete simbolicamente o surgimento do Barracão, reúne inicialmente os primeiros membros da casa, os fundadores, que são ungidos pelo Preto Velho, e em seguida estes fundadores ungem os médiuns passistas, que por sua vez, ungem os demais iniciantes e assistidos.
Acontece que o Barracão de Pai José surgiu assim, num quintal, onde esses fundadores se reuniram para celebrar exatamente este rito de fechamento de corpo, e em pouco tempo, outros membros foram surgindo, sendo recebidos e ungidos pelo amor dessa comunidade, que depois trouxeram outros, e assim por diante, até se formar a comunidade-terreiro que conhecemos hoje.
A Sexta-feira santa não é uma data umbandista e sim católica, mas a Umbanda tradicional é cristã, e une em sua liturgia fundamentos de outras religiões, sempre adaptando estas liturgias aos seus fundamentos que são guiados pelas entidades regentes de cada Casa.
Jesus, o maior médium que já existiu – pois curou pessoas intermediando a força de seu pai, Deus, através do passe mediúnico, – quando questionado pelos fariseus sobre sua divindade respondeu: “Sois deuses, todos somos, basta ter fé no Pai, e farás o que fiz ou até mais”, está na Bíblia. É este Jesus humilde que morreu por nós quem é celebrado nestes atos da Sexta-feira santa, num rito que segue humilde e rigorosamente os seus ensinamentos.
Ao final destes sagrados rituais, quando os raios de sol não mais penetram e a noite já se faz surgir, é hora de acionar outras forças que complementarão o ritual de fechamento de corpo dos médiuns. É hora dos Guardiões, dos Exus e Pombagiras, que vão finalizar este rito trazendo sua proteção já bem conhecida dos umbandistas, contra qualquer força de espíritos mal-intencionados, encarnados ou não, completando assim uma verdadeira blindagem que garantirá a sequência de um novo ciclo de trabalho de caridade desta família religiosa.
por pai Alexandre Falasco